A visita de Pedro
Os católicos em Portugal de 2010 sabem que por mais ninguém fariam uma festa tão solene
Mergulhada num vale embebido de verde, a aldeia das Furnas, nos Açores, é certamente uma das mais belas do mundo. Com o vulcão acordado dia e noite, anos a fio, águas quentes, frias e mornas, fontes abundantes e humildes, um lago sereníssimo a espelhar os cambiantes do céu, a embriaguês das flores na sua variedade estonteante, tudo num singular enquadramento de montanhas, outros tantos miradouros geradores de silêncio respeitoso e prolongado com olhares pasmados. O vale das Furnas tantas vezes descrito por tantos escritores portugueses e estrangeiros.
Todos os anos, a seguir à Páscoa, acontece uma procissão peculiar. A procissão dos enfermos. O Santís-simo percorre as ruas e visita as casas dos doentes que O não puderam receber. Mas nessa viagem há uma particularidade: um longo tapete das melhores flores e ramagens das Furnas, artisticamente colocadas em “formas” numa harmonia esplendorosa de cores. As pessoas dizem apenas: “É O Senhor que vai passar aqui. Ele merece o melhor”. De todas as festas da terra é a que tem menos ruído e dispersão. E o que se percebe é que aquele monumento de beleza não é um gesto de vaidade mas de amor pelo Senhor que passa.
Pedro, na pessoa do Papa, vem visitar-nos. A notícia anda por aí entre polémicas e afirmações de fé: há quem pense que há flores a mais, excesso de tempo, perda de rentabilidade, gastos excessivos em decorações, peregrinações e encontros que podem ser mais exibição que devoção.
Será para muitos, um alemão, um antigo prefeito, um líder, um chefe de Estado. Mas sabemos quem nos visita. Habituámo-nos, ao longo de milénios, a olhá-lo para além da humanidade, para o que ele significa, transporta e projecta nas nossas comunidades: continuidade apostólica, unidade da fé, elemento congregador da ecclesia, comunidade cristã. E assim como o povo das Furnas diz que por mais ninguém era capaz de estender um tapete de flores, também os católicos em Portugal de 2010 sabem que por mais ninguém fariam uma festa tão solene. É Pedro que nos visita.
António Rego