Abraços no lugar de cismas
Paulo Rocha, Agência ECCLESIA
Os gestos e as palavras do Papa Francisco conquistam mediatismo crescente e geram popularidade em crentes e não-crentes. A economia, a defesa dos pobres, a preocupação por contextos periféricos, a sustentabilidade ambiental e a defesa da vida são temas que geram simpatia e empatia pelo antigo cardeal de Buenos Aires, agora bispo de Roma. Também quando se refere ao ecumenismo… Não só pela força das suas palavras a respeito do “escândalo” da divisão entre os seguidores de Cristo, mas sobretudo pelos braços que estende para outros tantos abraços no esforço de aproximar lideranças de várias igrejas cristãs.
Se o espaço mediático que Francisco conquistou é único, os gestos e as palavras que agora diz estão naturalmente em linha com imagens do passado e do presente, protagonizadas por outras lideranças da Igreja Católica, à escala universal ou local, que raramente merecem a mesma amplificação na opinião pública.
Em janeiro de 1964, representantes da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa punham fim a quase um milénio de desencontros entre as respetivas lideranças com um abraço. O Papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras, da Igreja Ortodoxa de Constantinopla, confirmavam publicamente determinações conjuntas de promover o encontro entre cristãos desavindos com um gesto que impulsionou o caminho ecuménico, mesmo antes de ter terminado o Concílio Ecuménico Vaticano II.
Em outubro de 2016, o presidente da Federação Luterana Mundial Munib Yunan e o Papa Francisco selavam com um abraço a assinatura de uma declaração comum por ocasião da comemoração conjunta católico-luterana dos 500 anos da reforma protestante.
Em mais de meio século, outras declarações e muitos mais abraços marcaram o diálogo ecuménico, com o protestantismo e não só, assim como o encontro entre líderes de diferentes religiões, assinalados pela relevância que decorre de visitas institucionais. De facto, a presença de vários pontífices em templos ortodoxos, sinagogas ou mesquitas, o encontro entre patriarcas de várias “ortodoxias” e o Papa, a presença de rabinos ou imãs em ambiente católicos e destes em templos de tradição judaica ou islâmica foram passos dados no diálogo inter-religioso e ecuménico, sobretudo pelo conhecimento pessoal que proporcionaram e pela proximidade que daí resultou.
Na história dos abraços e da proximidade entre crentes, nomeadamente os seus líderes, tem de se incluir o que aconteceu na escala de uma viagem intercontinental, mas que representa uma etapa fundamental do percurso ecuménico. A caminho do México, o Papa encontrou-se com patriarca ortodoxo de Moscovo Cirilo para um abraço entre “irmãos” no “mesmo batismo” e dizer “finalmente”…!
Falar hoje em aproximação entre cristãos significa tentar por fim a duas grandes separações, que infelizmente não são as únicas: a que começou no século XI, no cisma do oriente, que separou ortodoxos e católicos; e a que se seguiu às teses de Lutero, que distanciou católicos e protestantes. Um percurso que há de ser feito com o debate de ideias, declarações conjuntas e sobretudo com a capacidade de replicar o espírito de Assis, marcado por abraços, por muitos abraços!
Paulo Rocha
Ecumenismo