Editorial

Contadores de histórias

António Rego
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Quem, na má-língua encontra o divertimento principal, pode considerar-se pilar de suporte de muita informação e ficção medíocres que andam pelas praças do mundo.

Contadores de histórias O espectáculo da vida multiplicou-se por cada recanto onde há um televisor, um rádio, um jornal; somou o volume e o ruído com o simples carregar no botão, ou na dimensão das letras garrafais e da variedade das tintas; dividiu-se ao deixar as famílias divididas e os indivíduos isolados no seu pequeno rectângulo, sorvendo do mundo os excessos e os restos de mercadoria ideológica ou comercial. Assim sendo, inebriados de pólenes que cruzam os ares, os homens aguçam os sentidos e educam as sensações nessas magias mediáticas que respondem à sua gula de explorar, repetir, tornar-se, mesmo quando cidadão anónimo, em participante activo e notório do grande concerto mundial, cidade cósmica que soma e absorve as pequenas aldeias das comunidades e dos indivíduos. Isto não é uma maldição. É o resultado e o preço, a renda e a assinatura dos brinquedos tecnológicos que mobilizam o nosso mundo, a ponto de condicionarem a vida política, social, económica e religiosa. Os media, permanentemente esconjurados nos discursos abstractos das elites, lançam sobre todos esse laço de serpente e sereia que canta e encanta ainda quando cospe os seus irreprimíveis venenos. Assim vamos, como os perdigueiros em dia de ventos cruzados, sem saber onde paira o alvo da nossa correria e sem adivinhar que direcção seguir entre os altos arbustos que tapam caminhos e confundem circuitos. Andámos, por uns tempos, nos engodos da guerra, suspensos dos serviços informativos que nos ofereciam abundantes pratos do que merecia entrar na nossa ementa. Isso tornou praticamente insignificante o resto do planeta. E os esquecidos, mais esquecidos ficaram. Tudo isto nos conduz à questão do discernimento, lucidez, maturidade, capacidade crítica sobre quanto nos rodeia e merece ser narrado. (Diz-se que, até ser contada, nenhuma história existe). Importa compreender que o vício não começa na comunicação social ou massiva. Começa antes, na selectividade da pequena narrativa, do mexerico que entretém as conversas, nessa espécie de avidez pela desgraça, crime ou patologia. Quem, na má-língua encontra o divertimento principal, pode considerar-se pilar de suporte de muita informação e ficção medíocres que andam pelas praças do mundo. António Rego


Reflexo