Editorial

Dignidade na política?

António Rego
...

Em plena turbulência política, subiu de tom o “vox populi” dos jornais, rádios e televisões. As intervenções (muitas vezes sem rosto) dos cidadãos tornaram-se mais intempestivas e frontais, denotando alguma sanidade democrática misturada com azedumes acumulados, tanto dos analistas populares que criticam os poderes, como daqueles que os defendem. A expressão, mesmo de protesto, contra as enigmáticas faltas de expressão, é sinal de vida e de interesse participativo na vida política e social. Mas importa ir, na análise, mais longe que os rebentamentos dos primeiros foguetes e mais fundo na percepção de sinais que a intriga verbal ou os jogos políticos de índole pessoal escondem. A política é uma arte muito mais nobre que o jogo de subterrâneos ou as manobras de divertimento ou revolta popular. As grandes decisões políticas precisam confrontar-se continuamente com valores éticos, para não serem regidas pelos cata-ventos da oportunidade de chegar ao poder ou de simplesmente o manter. Essa confrontação faz-se no campo teórico, ideológico de uma política assumida, mas hoje decide-se primordialmente nas políticas traçadas dentro do mesmo espectro.”Se a acção política não se confrontar com uma instância ética superior, iluminada por uma visão integral do ser humano e da sociedade, acaba por ser submetida a fins inadequados, se não ilícitos” – disse o Papa numa carta dirigida aos participantes de 44ª Semana Social dos Católicos Italianos. Estamos perante um problema de consciência cristã e social que nunca se poderá dobrar à cegueira dos simples malabarismos de ganho e perda nas jogadas políticas. Esta lógica - de vitória em vitória - conduz a nobreza da política a uma derrota final, na distorção e aviltamento dos seus fins e meios. Se a vida dos políticos e demais vedetas é utilizada como catarse dos dramas e frustrações do povo, aos que têm do poder a concepção de serviço, urge uma referência permanente aos valores fundamentais de cada pessoa e do todo de um povo. Gover-nantes e governados, prós e contras, precisamos elevar a fasquia das nossas pretensões na área política – do serviço à cidade - para readquirir-mos a dignidade e autenticidade do nosso empenhamento social. A política é muito mais que um jogo. E a defesa da sua dignidade pertence a todos os cidadãos. António Rego


Reflexo