Editorial

Entre a bênção e a maldição

António Rego
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Tal como se não pode calcular o dia e a hora exactas dum sismo ou o minuto preciso do aquecimento global do planeta, também se não pode determinar matematicamente a evolução da esperança de vida em todos e cada um dos cidadãos. Fazem-se cálculos sobre a resistência da Segurança Social à longevidade presumível, projectam-se cenários de consistência ou rotura, desenha-se um futuro a partir duma realidade óbvia: a população, entre nós, envelhece cada vez mais, as escolas infantis vão fechando, as secundárias vão diminuindo e as próprias universidades já se ressentem desta evolução etária que altera todo o tecido social a que pertencemos. Há muitos ângulos de observação deste facto, com análises contraditórias, algumas primárias, das causas e consequências desta realidade. O aumento da esperança de vida é um sinal dos tempos que tem a ver com toda a evolução que testemunhamos em variadíssimos aspectos da nossa vida social e do desenvolvimento que - por muito que não queiram alguns críticos – aconteceu visivelmente entre nós nos últimos anos. Mas há perspectivas que importa repescar. O envelhecimento não é apenas uma questão de idade: tem a ver com a valorização que a comunidade dá a quem entra nos trinta, quarenta ou mais anos. Não há muito tempo, pelo trabalho árduo, subalimentação, ausência de cuidados de saúde e outras carências, as pessoas envelheciam prematuramente. Hoje também, mas por outras razões. A tecnologia, a cultura e um conjunto incontestável de novas aquisições, colocam muita gente na prateleira da vida. Facilmente as pessoas se tornam ultrapassadas, a seguir inúteis, além de sós e desencantadas. A expectativa de vida mais confortável, mais longa, mais livre, torna-se como que um pesadelo, de olhar para todos os lados e tudo se revestir dum pretérito nostálgico sem lugar para a alegria do hoje e do amanhã. Obviamente que isto não acontece assim com todos e cada um. Há pessoas que trabalham até morrer, por necessidade. Outras por gosto ou ambição, outras por missão, nas áreas livres de entrega aos outros e de crescente amor à vida. Mas há muitos condenados a nunca assumir a profissão de idoso ou doente. Esta matéria aprende-se noutra escola, enquadra-se noutro currículo, cumpre-se com mecanismos interiores que dependem de espaços, condições físicas e sociais, perspectivas de fé, de vida e dum arrebatamento de alma de quem descobre a permanente novidade nos meandros da surpresa e do encantamento. Todo o trabalho de solidariedade social da Igreja, nesta área, revela um segredo do Evangelho com muitas traduções sociais e políticas: a aposta no contínuo rejuvenescimento da Esperança… de Vida. António Rego


Reflexo