Editorial

Família com sentidos

Paulo Rocha
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Paulo Rocha
Paulo Rocha

Paulo Rocha, Agência Ecclesia

Outubro chegou com os dias de um Sínodo convocado para recolher propostas sobre a experiência crente, em coerência e felicidade, no ambiente familiar e com um novo livro de José Tolentino Mendonça, “A Mística do Instante”. Dois acontecimentos, entre muitos outros é certo, que oferecem convergências para um roteiro de vida, nomeadamente quando assumido como uma peregrinação, um caminho. Concretamente no ambiente familiar.

“A Mística do Instante” inaugura uma nova era na forma e nas fórmulas de dizer os itinerários do quotidiano, afastando ruturas entre alma e corpo, entre o divino e o mundano, porque “o dualismo é um equívoco muito grande e acaba por levar a visão cristã por caminhos que não encontramos sublinhados no Evangelho”.

No seu último livro, José Tolentino Mendonça sugere uma “reconciliação” com o tempo (para vivermos uma “mística de olhos abertos”) e com o corpo (porque “o corpo que somos é uma gramática de Deus”), encontrando nos cinco sentidos referências essenciais para transformar o instante de cada um numa experiência mística.

“A mística do instante reenvia-nos para o interior de uma existência autêntica, ensinando a tornarmo-nos realmente presentes: a ver em cada fragmento o infinito, a ouvir o muralhar da eternidade em cada som, a tocar o impalpável com gestos mais simples, a saborear o esplêndido banquete daquilo que é frugal e escasso, a inebriar-nos com o odor da flor sempre nova do instante”, escreve no livro editado pela Paulinas.

Numa longa entrevista à Agência ECCLESIA sobre “A Mística do Instante”, José Tolentino Mendonça defendeu que “é impossível pensar um caminho de fé que não tenha a ver com o que ouvimos, o que vemos, o que tateamos, o que nos chega através do odor, muitas vezes invisível, ou então do sabor de Deus”. E explicou: “a audição faz-se com os ouvidos, mas faz-se também com o coração”, numa tradição crente onde

 as comunidades “são uma consequência da escuta”; o “ver do mundo e do homem” permite “a visão de Deus”; há um Evangelho que “só a pele apreende” e “a fraternidade exprime-se também pelo tato”; “o odor é um léxico da memória” e possibilita uma “uma aprendizagem do invisível”; as comunidades cristãs têm de “passar do saber ao sabor”, para não permanecer no “mero anúncio”, mas chegar à “experiência”.

No contexto do debate sinodal sobre a família, e parafraseando o autor de “A Mística do Instante",  parece necessário afirmar: é impossível pensar “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da Evangelização” sem atender ao “que ouvimos, o que vemos, o que tateamos, o que nos chega através do odor, muitas vezes invisível, ou então do sabor de Deus”.

A família tem de ser pensada e vivida com os sentidos. Os cinco, pelo menos!

Paulo Rocha



Sínodo dos Bispos