Editorial

Festa e inquietação

António Rego
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Com todas as incertezas que os últimos tempos têm acentuado, começou um novo ano escolar. Crianças, jovens e adultos, alunos e professores, iniciam mais uma etapa de encanto e luta no patamar superior do saber e do crescer em humanidade. A cultura não é uma oficina de mecânica mas uma forja de tratamento delicado do mais sublime que existe na terra: o ser humano. Por isso, instruir é sempre educar ainda que a educação nunca deva ser lançada à escola como demissão dos pais. Esses não cessam a perpetuação do dom da vida, gerada e alimentada até à sua maturidade plena. Nunca é demais enaltecer a função do professor. Melhor dizendo, a missão. Ele não é um repetidor maquinal de números e letras. É, ele mesmo, transmissor de si, no que comunica e silencia, no que escolhe e rejeita, no que revela e oculta, nos trilhos que escolhe para a viagem fantástica daqueles que convida a entrar na carruagem sacral do seu saber. Dói, por isso, notar que muitos professores passam cada ano o suplício da incerteza sobre, como, e onde serão colocados para exercerem a sua missão teoricamente tão eminente. Não se entende que, sobre um trabalho que requer serenidade interior, entrega profunda de afecto, profissionalismo rigoroso no tratamento da matéria prima – o aluno – paire um constante sobressalto e incerteza. Sabe-se que alguns professores exercem o seu ofício sem qualquer entusiasmo, apenas como instrumento de sobrevivência material. Sabe-se que a máquina da Educação deve ser das mais complexas de gerir porque oculta muitos interesses pessoais, sociais e ideológicos. Sabe-se que a ferrugem vem de longe, não obstante a coragem de alguns gover-nantes que nos últimos decénios tentaram, até à sua própria imolação política, alterar um sistema que parece não encontrar o seu caminho. Mas importa nunca perder de vista o essencial, o humano profundo, presente e futuro, singular e plural, que compõe o tecido da população escolar. Aluno e professor. Importa aqui não esconder os cruzamentos que toda esta temática envolve na escola pública e privada como dois agentes opcionais de uma missão comum: fazer crescer, na maturidade e dignidade, um povo que tem uma herança e um horizonte. E que não fique no silêncio a dimensão do Transcendente como o eterno inacessível, mas a fonte de luz donde, em último lugar, jorra o saber. É este todo que faz do recomeço um momento de festa e inquietação. António Rego


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