Editorial

Missão na cidade dos Media

António Rego
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Quase todos os queixumes do nosso tempo envolvem os meios de comunicação social, se não como causa, ou como mãe, ao menos como veículo de todos os vícios. Ninguém se sente bem representado nos jornais, na rádio ou na televisão. Quando é concedida a benesse de um tempo ou espaço, quase sempre quem lá entra se considera injustiçado, com retrato parcial, fragmentado, imperfeito e injusto. Entre o discurso hermético e empolgante que cada pessoa ou instituição tem de si próprio, e o que se conta nos media, parece sempre existir esse abismo do diálogo entre o rico avarento e o Pai Abraão. Também é verdade que os media parecem um castelo impenetrável ou acessível a muito poucos. Sempre os mesmos, com poder económico, político, mediático…e assim sucessivamente. O meio é a mensagem (quem tem os meios utiliza-os como instrumento da sua ideologia, teórica ou pragmática) e em consequência, o cidadão comum parece indefeso diante do império esmagador, a chuva ininterrupta de palavras, sons e imagens que lhe sufocam o pensamento e a palavra. E talvez não seja bem assim: os pobres, esquecidos, espoliados, vítimas de acidentes ou violência, cada vez ocupam mais tempo e espaço na informação. O cidadão anónimo cada dia o é menos, pois tem acesso às cartas, mails, telefonemas e intervenções directas nos media mais glamourosos e clamorosos. E se o povo não é estúpido para votar, também não pode ser para dizer o que pensa sobre a sua própria vida. Usar da palavra é um direito de cidadania que se torna cada vez mais exigente para todos. A fim de que não deixe instrumentalizar a sua presença como artista barato do espectáculo mediático. Em segundo lugar, para dizer o que tem a dizer sobre todas as matérias e convicções. Não é liberdade de expressão poder falar apenas do que os outros querem. Talvez nunca, como hoje, tantos puderam dizer da sua justiça. Precisamos ter essa consciência e sentir mais pesados os nossos silêncios de nada dizermos acerca de nada. A vida merece mais o nosso olhar e a nossa palavra. António Rego


Reflexo