Editorial

"Nada te perturbe"

António Rego
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Não surgiu, que se saiba, o mais leve protesto às escutas telefónicas, investigação de contas bancárias, ou mesmo à quebra do sigilo profissional em nome de “valores éticos†mais altos. Cá chegamos: há muito que se não proclamava de maneira tão expressa e descomplexada a necessidade de valores éticos na sociedade. Não acredito que a nossa sociedade se assemelhe a Sodoma ou Gomorra e que precise de um enxofre maldito para acordar do laxismo em que por vezes cai, na proclamação quantas vezes despudorada, de uma liberdade que rompe com um conjunto de valores, bases angulares de uma comunidade adulta e solidificada. Esta conversa facilmente pode conduzir a um moralismo policiado que ande à caça de bruxas transgressoras e até invente fogueiras para queimar nos pelourinhos, nomes que sejam, a qualquer título, incómodos para a tranquilidade mortiça da aldeia. Importa pois tirar a lição certa dos acontecimentos sem exaltações eufóricas de comportamentos perfeitos nem a farisaica condenação de comportamentos exorbitantes. “A verdade e a liberdade só estão bem quando estão juntasâ€, disse João Paulo II. Da separação destas duas essências brotaram patologias condenatórias e dogmatismos desumanos e absolutistas. Basta folhear brevemente a história. É pois de reflexão o tempo que atravessamos. Quando, com a mesma aparente honestidade, se defende a paz e a guerra, a eutanásia e a pena de morte, a libertinagem sexual e a fidelidade no amor, algo precisa ser equacionado na escala de valores da sociedade. Uma coisa parece certa: o conjunto de aberrações a que temos assistido é uma espécie de alarme intermitente aos jogos contraditórios da vida. Afinal nada de novo aconteceu. Apenas se soube e narrou, de outra forma, o que já tinha acontecido antes. E, pelos vistos, com uma sequência de silêncios que a todos nos deixa abismados. Ou talvez não, se recordarmos o que dizia Teresa de Ãvila: “Nada te perturbe, nada te espante, só Deus bastaâ€.

Reflexo