Editorial

No pico da emoção

António Rego
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É sabido que no cruzamento de sentimento e razão – será que as pessoas têm, tão líquida, esta composição? – quase sempre, em momentos chave, o coração pressiona a inteligência. Ou, pelo menos, nenhuma razão pura surge com autonomia biológica demarcada. Resultado: sai-nos menos caro aceitar a nossa complexidade e socorrermo-nos de outros elementos, do que decidir levianamente sob o impulso do nervosismo pessoal ou colectivo. Ninguém é juiz em causa própria. Ou em causas que estão excessivamente próximas de nós. Para isso existem os mestres. Reconheça-se que, nessa matéria, a Igreja possui uma sólida experiência de reflexão e aconselhamento. Terá, por vezes, uma imagem pesada, de lentidão, a que chamará prudência. Mas a sabedoria, para além de ser um dom que só Deus concede, supõe uma ponderação apaziguada de elementos, sobretudo quando está em causa a vida de pessoas e comunidades. Vivemos tempos de algum sobressalto. O espectáculo como prática de excitação colectiva, com objectivos políticos ou comerciais, precisa ser revisto. Não se pode reduzir toda a análise da vida social à gritaria da caça, com apelos simultâneos de todas as direcções. Não é lícito pintar a vida de cores aberrantes apenas por motivos de mercado narrativo. E, aos líderes de opinião, governantes e educadores, compete a lídima virtude do discernimento e da oportunidade de falar e fazer silêncio. Há tempo para tudo. Ninguém tem o direito de lançar a comunidade em constante alvoroço e num desassossego maior do que a complexidade da vida já impõe. Somos razão e emoção. Não importa o estudo teórico da percentagem de cada um na vida pessoal e colectiva. Ambos são estruturalmente humanos. Interessa, isso sim, que a vida não seja regida por pulsões cegas por muito brilhantes que pareçam no momento em que se produzem. Deixemos essa explosão inspirativa aos artistas da luz, do som, do espaço ou da palavra. A gestão da vida quotidiana exige uma tranquilidade adulta que invente soluções para os problemas e não problemas paras as possíveis soluções. António Rego


Reflexo