Em pleno Gerês, a casa foi sobressaltada às tantas da manhã. Era um animal que tinha partido a cerca. O João foi ajudar o avô a reparar os estragos. A sua função era segurar a lanterna. Pequeno como era, tinha a luz baixa e o avô dizia-lhe:
- Chega a lanterna ao prego, João, se não eu não vejo…
A partir desta história de infância, o Director do Diário do Minho reflectia, há um ano, nas Jornadas de Comunicação, sobre as doutrinas que passam ao lado da vida, e aquelas que iluminam o real.
A ressonância da última Carta Pastoral dos Bispos portugueses sobre a “Responsabilidade solidária pelo bem comum” significa isso mesmo: acertar em cheio na realidade, não apenas que nos circunda mas que todos nós construímos. De tal forma que não se trata de um recado ao governo, à oposição, ao patronato, aos trabalhadores ou aos sindicatos. É um apontar de lanterna ao que todos geramos de grandeza e miséria, de desenvolvimento e regressão nos tempos concretos que vivemos, inundados de perplexidades e dúvidas, imbuídos de medos, escândalos e injustiças, marcados por algum complexo de inferioridade ou de culpa, que deixa a sociedade portuguesa tristonha e desencantada de si mesma. Esta Carta tem a coragem e a qualidade reflexiva que a coloca muito acima da querela política, ao lado de cada cidadão e com particular e directo apelo aos cristãos. Dir-se-ia que em Portugal mais ninguém teria autoridade moral para a escrever e assinar como palavra certa e oportuna.
São apontados pecados sociais de individualismo, consumismo, corrupção, desarmonia do sistema fiscal, irresponsabilidade na estrada. Mas são apontados e potenciados sinais de participação solidária que convidam à esperança e à revita-lização permanente. A mudança depende afinal de todos e das prioridades que cada um assumir no País que somos.
Não é apenas quando se fala em questões sociais que se ilumina a vida. Mas é indiscutível que esta é uma reflexão particularmente luminosa no momento que vivemos. Para que se não peça a Deus o milagre que nos compete realizar. Como na multiplicação dos pães.
António Rego