No tempo do desassossego António Rego 28 de Janeiro de 2003, às 16:33 ... Curtas, médias e longas são as ondas que propagam os nossos olhares e sons pelo planeta, dele fazendo uma pequena aldeia. Se formos à s vagas do mar encontraremos variáveis semelhantes. Mas todos distinguimos o suave bater das ondas na praia, das grandes ondulações que fendem rochas e afundam transatlânticos. E há as vagas de fundo que praticamente não se vêem. De pouco interessariam estes considerandos se não fossem a imagem perfeita do que se passa no movimento das nossas vidas. Andamos como que embalados pelas ondas de cada momento. Por aà cirandamos, numa espécie de angústia a que não podemos fugir: todos os dramas da esquina e do outro lado do planeta nos atingem o afecto e invadem os terrenos da nossa privacidade e até da nossa intimidade. Como que perdemos o direito de estar alheios ao alarido que nos circunda. Uma imensa cascata informativa nos sufoca. Os potenciómetros da excitação andam no máximo. A certa altura nem sabemos se nos devemos revoltar, protestar, sair à rua, ou apenas manifestar a nossa solidariedade com a famÃlia sem teto, a criança violentada, o velho esquecido, o frágil injustiçado. Tudo acontece na onda da notÃcia quente que hoje nos alerta e amanhã nos troca as voltas com um novo evento, nova tragédia, outro espectáculo ou um qualquer festival. O pobre cidadão, indefeso, tem o coração hipotecado aos factos, aos discursos do poder e da oposição, aos assomos de raiva ou à s desgraças ressentidas. E tudo isto nos chega em forma de novela gerando um completo desassossego. É óbvio que tal como existem leis sobre porte de armas, devem existir regras sobre o tiroteio de informações desabridas que diariamente caiem sobre as nossas cabeças. Mas nunca é demais lembrar que somos nós que damos guarida aos pistoleiros ou, se preferirmos, aos encantadores de serpentes. A nossa vida já anda à s ondas antes de entrar na onda. É bom distinguir o cronos, o tempo como o medimos na inquietude das ondas, do kairos, o tempo marcado pelo registo de Jesus, do Reino, que não vai atrás do primeiro profeta da esquina. Sem o menor desprezo pelo nosso tempo, importa urdi-lo com outros tempos – e porque não o tempo de Deus? – para lermos, integrarmos e projectarmos cada acontecimento. António Rego Reflexo Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...