Editorial

O conserto dos Vinte

António Rego
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Sabemos que as coisas não estão bem. Que possivelmente nunca estarão bem. Pelo menos no nosso tempo. Sabemos que todas as pessoas, instituições, iniciativas, das cobardes às heróicas, sempre longe do infinito, padecem duma limitação, tornando mais visível o mal feito que o bem escondido Mas que existe. Entretanto continua a fazer notícia a metade do copo sem água, a mancha mínima sobre a alvura extensa, as distâncias que faltam, sem olhar as percorridas. Vendo bem as coisas a imperfeição está mais na forma como se olha aquilo que se faz. O estado de alma é o primeiro grande factor da óptica que temos sobre o mundo. Que há pois a fazer? Parece que antes de mais se coloca a urgência de purificar o olhar. Nada escapa aos olhos turvados de lodo que tudo mancham, sem a mais pequena nostalgia da limpidez. Dir-se-á que são os factos na sua brutalidade que nos proíbem qualquer tipo de análise benigna sem a marca do fatal e irremissível. O mundo é o que é, o homem não tem conserto, a natureza continua brutal – agravada pelas violências a que todos os “progressos†recentes têm condenado. Crises sobre crises oferecem novos repastos de desencanto à análise voluptuosa dos cronistas que mais cidades não conhecem no planeta que Sodoma e Gomorra. Entre nós cresceu avassaladoramente o mundo dos analistas que noite e dia nos enchem o coração de rancor. Não se pede uma esponja que iluda, em lavagem rápida, as máculas evidentes do nosso tempo, ou de outros tempos. Mas não se crê saudável uma quase obsessão pelo espectáculo da tragédia, da intriga, do conflito, da náusea. Perigosa é a rampa que reduz cada capítulo da história a uma alínea depressiva, deixando apenas em hipótese longínqua, o benefício da bondade. A Cimeira dos Vinte poderia ter trazido mais plangeres sobre o muito caldo derramado na economia, distribuição dos bens, recomeço duma actividade de troca e partilha do pão por todos. Ao de cima veio o instinto que convocou o mínimo de consensos Onum problema que, causado por poucos, é de todos. Não sabemos se há solução à vista. Mas há dados de entendimento possível em matérias essenciais para uma nova fase da esperança do pão repartido no planeta. Não são santos nem inocentes. Mas assumem a responsabilidade de lançar os dados para que se possa começar de novo. Nada adianta votar ao desprezo estes sinais de que podemos em muitas matérias, recomeçar mais e melhor.Com mais uma lição aprendida. António Rego


Reflexo