Editorial

O constante regresso dos porquês

António Rego
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Segundo algumas crónicas, a notícia do terramoto de Lisboa de 1755 só chegou a Macau um ano depois. Na altura já se sabia que o planeta era mais que uma longa planície de mar com ligeiras manchas de terra descontínuas em superfície e altura, para além das formas bizarras e incoerentes das suas costas marítimas. Dois séculos e meio depois sabemos mais de geografia e sobretudo de geologia. Mas não o suficiente para se anunciar o momento exacto em que a terra vai tremer. Continuamos castigados pelo inesperado, tentando segurar as casas e os móveis para nos não caírem em cima quando acontecer a fatalidade de que não sabemos nem o dia nem a hora. Por momentos temos a sensação de que pouco valeram os enormes avanços no conhecimento da Terra, da Lua ou de Marte. Há quase sempre um acontecimento que repisa a nossa condição de incipientes em todas as matérias, mesmo quando apetrechados de sólidos armazéns do saber e de máquinas quase perfeitas de pressagiar coisas do porvir. Mas fazendo sempre aumentar a inquietação sobre a área inundada pelo desconhecido. Os estudiosos e cientistas autênticos nunca abandonam a ferramenta da humildade como elemento essencial de pesquisa e evolução. A primeira notícia, rápida e brutal sobre o sismo e maremoto numa dezena de países do Sudeste Asiático centrou-se, e bem, no coração da tragédia: as situações humanas gravíssimas e irreparáveis que se produziram. Não muito depois ficamos a saber que esse acontecimento chegou até nós, foi registado em Lisboa. Isso quer dizer que a energia explodida do subsolo de Sumatra, o acerto ou sobreposição de placas, atravessou o Índico, entrou na costa Leste da África, subiu ao Médio Oriente e chegou até Lisboa. Foi registado o abalo magno e muitas das suas réplicas. Sempre que ocorre uma catástrofe natural desta dimensão, como que revelando a força oculta da terra, curvamo-nos perante os nossos limites, reequacionamos a hierarquia de valores, interesses, paixões e protestos. Arrombamos, de novo, o cofre das razões da existência, da vida, da morte, do tempo e da eternidade. E da fé. E perguntamos, tenuemente, como vê Deus esta Terra harmoniosamente criada e sustentada na sua mão, em estado de pranto, como Ramá. Mas que, implacável nas suas leis e na sua paciente evolução em relação ao cosmos – é o irmão Sol que carrega estas baterias de explosão – vai cumprindo um desiderato muito para além das contas que nem nós nem as máquinas electrónicas sabem resolver. É o mistério da vida. António Rego


Reflexo