O pacto dos poetas António Rego 15 de Junho de 2005, às 11:35 ... Temendo que no alarido da morte possa deixar esmorecida a voz dos poetas, ficarei por Eugénio de Andrade na trilogia dos que, nestes dias de Junho, deixaram as páginas vivas da nossa história recente. Desde jovem me habituei a sentir a sua voz melancólica na poesia “que prefere a pobreza ao luxo, a simplicidade à complicação†como ele diz dum outro poeta querendo dizer de si próprio. Refiro-me ao texto de Eugénio de Andrade no posfácio do livro De igual para igual de José Tolentino Mendonça. Percebi, nessa leitura atenta e agora revisitada, que o pacto destes dois poetas vai para muito além do campo das letras. Há uma comunhão de procuras nos oceanos em que apenas os poetas sabem navegar. Eugénio de Andrade encanta-se com a “inocência e sabedoria†na citação que faz de Tolentino de Mendonça: Nesse tempo ainda era possÃvel encontrar Deus pelos baldios. - Em que tempo? – pergunta Eugénio de Andrade? “Provavelmente em todos os tempos. Isto é, na infância de cada um de nós, nessa infância que todo o ser humano arrecada para que a poesia um dia aà faça o seu ninhoâ€. E volta a citar o autor de Baldios: “A poesia é o lugar desse tempo interior, ciciado, secretoâ€. Eugénio de Andrade embala-se nesta expressão austera e acrescenta: “A frase é densa, carregada de sentidos, de presságios. É como se falasse de um lugar antiquÃssimo, onde cada gesto, cada balbucio cada som procurasse dar sinal de um deus (ou de Deus) à queles que o escutam. As suas palavras são as de uma alma atravessada pelo espanto de uma presença.†Sei que com esta colagem de palavras corro o risco não só de profanar a poesia, como também de trair o que os poetas, na sua profética sabedoria, perscrutam do indizÃvel de vida. Mas na morte de Eugénio de Andrade apraz-me encontrá-lo de mãos dadas com jovens poetas numa procura misteriosa da presença de Deus: “mas quando tombei sobre a terra perdido como o fio de um cabelo... estavas junto de mimâ€. Dos que quase em simultâneo partiram: Gonçalves, Cunhal e Andrade, demoro-me no poeta. Por ele os sinos não dobraram tanto. Mas o seu dobrar, quase em pianÃssimo, é o que mais se assemelha à eternidade. Que a sua voz se não perca nos ruÃdos que a morte sempre suscita. Refiro-me ao concerto transcendente dos poetas porque, nos muitos dizeres da morte cai, por vezes, na sombra, a essência da vida. António Rego Reflexo Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...