Editorial

O valor do que não se vê

Octávio Carmo
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Só a noção de que estamos unidos nesta busca de respostas, na fragilidade do quotidiano, permite estar efetivamente junto das pessoas

O quotidiano cada vez mais mediatizado em que vivemos no Ocidente tem gerado uma tendência quase imparável de quantificação, metrificação da vida e do mundo, criando a necessidade de ver e ser visto, de ser, parecer e aparecer. Cada vez importa menos o conteúdo, face à forma, e a velha máxima ‘o que os olhos não veem, o coração não sente’ parece ganhar um sentido redobrado a cada dia que passa.

Este fundo cultural/comunicacional coloca uma questão séria à Igreja Católica, dado o mandato explícito de Jesus Cristo para que o bem feito aos outros fique no segredo do coração de cada um, sem publicidade nem procura de reconhecimento público. Perante uma sociedade incapaz de valorizar o que não se vê, as comunidades crentes ficam sujeitas à exposição mediática das suas falhas, que serão sempre muitas, mas também de fenómenos menores, pseudoescândalos, difamação, mentira – e o aproveitamento mediático dos seus “segredos” e “lados ocultos”.

Centenas de milhares de portugueses que sofrem na pele as consequências da crise que se abateu sobre a sua economia agradecem este compromisso desprendido de quem não procura ganhos políticos ou se abeira de ‘histórias de vida’ apenas para vencer guerras de audiências. A Igreja, pelo seu notável trabalho junto daqueles que mais sofrem, conhece-os melhor do que aqueles que têm da pobreza apenas a imagem que lhes chega pela televisão ou nas fotos dos jornais. Conhece-os também pelo que não se vê e acompanha todas as pessoas, mesmo aquelas que parecem (e se sentem muitas vezes) invisíveis.

A verdade é que a ilusão de autossuficiência da nova humanidade digital, com explicações para tudo, esbarra nos limites de cada pessoa: a doença, a morte. Tragédias como as do IC8, na Sertã, são sempre um doloroso alerta - situações como estas, aliás, são noticiáveis apenas até certo ponto, porque o drama individual, a perda de um filho ou o milagre da sobrevivência, mesmo que queiramos, não se quantificam nem se explicam.

De certa forma, perante toda a informação que nos chega, só a noção de que estamos unidos nesta busca de respostas, na fragilidade do quotidiano, permite estar efetivamente junto das pessoas. Sem palavras, muitas vezes, recordando que, no fim de contas, o mais importante é sempre O que não se vê.



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