Editorial

Oração no Estádio

António Rego
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Houve quem, de memórias grisalhas, se reportasse ao Grande Encontro da Juventude de 1963 no Restelo e em Alvalade. Ou mesmo quem lembrasse as visitas de João Paulo II a Portugal, mobilizadora de grandes multidões. E, necessariamente, se evocou o fenómeno de Fátima repetido e surpreendente. Mas o que se passou no Estádio Nacional teve uma particularidade: foi um encontro mobilizado pelas paróquias, movimentos e obras católicas. Sem sinal de promessa. Convidando todos apenas para rezar, com elementos ilustrativos dos mistérios luminosos e as pessoas vivas a moverem-se como se fossem animadas apenas pelas palavras do Terço. Não foi um encontro contra ninguém. Nem sinal de campanha, ou canto de vitória sobre o que quer que fosse. Nem intuito persuasor de nada. Não houve jogo ou fora de jogo - até se vive, em matéria religiosa, um momento de vozes aparentemente caladas e armas depostas. O Jamor tanto poderia, nesse sábado, ter sido esmagadoramente grande e desértico, como acontece em tantos jogos, como se poderia converter num espaço estreito por afluência inesperada de participantes. Afluíram cerca de 50 000 pessoas. Excedeu a lotação. Nem se cobraram entradas nem se disponibili-zaram transportes gratuitos. Nem ninguém garantia um fim de tarde sem chuva - única real promessa para cerca quatro horas de oração e festa, que não chegou a cumprir-se. Houve tempo inicial para as clássicas ondulações das quatro bancadas. Houve paciência para o ensaio musical que funcionou como aproximação ao ambiente celebrativo. Houve surpresa perante os tambores que irromperam estádio dentro. Houve silêncio e interiori-zação à entrada da cruz da juventude. Perpassou emoção forte quando surgiu, tenuemente iluminada, a alvíssima imagem da Virgem Peregrina de Fátima. O resto foi acontecendo, num clima de oração e respeito, em crescendo, até praticamente ao momento da comunhão. Não foi resultado de campanha nem desafio de afrontamento ou exibição de força. Anote-se, porém, uma preparação e divulgação invulgarmente eficazes. Aconteceu à volta do sucessor de Pedro e do Rosário recomendado pela Senhora de Fátima. Aconteceu. Mas ficará, indelével, no coração de muitos, sobretudo crianças e jovens, como experiência profunda de oração comunitária. E como se pode conjugar uma expressão estética popular com uma liturgia plena de dignidade. Todos seguiram o rito, o silêncio, o canto, o movimento, a vibração. Ninguém foi ao Estádio por engano. António Rego


Ano do Rosário