Editorial

Os banhos de multidão de Bento XVI

António Rego
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É sempre possível dizer algumas coisas sobre a viagem de Bento XVI à Turquia. Há perspectivas históricas, culturais, políticas ou religiosas tão diversificadas que qualquer abordagem acaba por ter, entre possíveis erros, alguma observação certa e entre muitas certezas algumas imprecisões. Estamos perante um país complexo na sua situação geográfica, história política e religiosa, com extremos de grandeza e aviltamento nas suas construções mais significantes e na sucessão de impérios e religiões. Para os cristãos é um lugar santo – Terra Santa da Igreja. Nada se entende da movimentação bíblica do Antigo e Novo Testamento – em particular os Actos dos Apóstolos e as Cartas – sem a terra a que hoje chamamos Turquia e que já teve, com a Grécia, alternância de tantos lugares por onde passou o cristianismo nascente. Hoje é um país de maioria islâmica esmagadora, Igreja Ortodoxa com missão significativa entre os diversos Patriarcados que a compõem e dividem. E com uma presença católica quase invisível. A visita dum Papa à Turquia entra sempre nestes terrenos complexos e proíbe qualquer improviso ou espontaneidade. Todas as palavras e gestos têm de ser rigorosamente pensados, pelo eco num mundo atento a todos os fumos que se elevam do Médio Oriente e cercanias. Bento XVI não teve um minuto de sossego no banho de multidões que não apareceram, mas viram e espiaram a sua viagem. Nenhum jornal, rádio, televisão, site ou blogue, se pôde dar ao luxo de ignorar este acontecimento. Desde o vulcão do onze de Setembro, com olhares acirrados sobre o Ocidente, as caricaturas de Maomé exorcizadas, as palavras do Papa na Alemanha rejeitadas como injúria - ninguém no planeta se pôde sentir fora deste evento. Foi um pouco do medo, da expectativa, da nova visão de guerra, do estado de espírito dos radicais islâmicos, da percepção dos ortodoxos, das expectativas dos católicos, das múltiplas opiniões emitidas com os nervos à flor da pele – que fez da figura de Bento XVI o centro do mundo por alguns dias, porque ele próprio se havia transformado em catalizador de vários pólos. Não admira, pois, que esta viagem tivesse mais audiência e multidões, em todo o planeta, que qualquer viagem de João Paulo II. António Rego


Reflexo