Editorial

Os enredos da política

António Rego
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A verdade, a mentira, a defesa, o ataque, o sim, o não e o talvez, quando passam para o léxico político parece que ganham autonomia semântica e se podem jogar no tabuleiro das marcações indefinidas, sem preto e branco, sem ângulos definidos ou quadrados perfeitos. É o bailado da enguia, da meia verdade, do conveniente, ou, como se diz, do politicamente correcto, que acabam por ocupar os lugares centrais na praça da polis, da cidade. E não estamos a fazer jogo de palavras, nem reduzimos política à aplicação de estratégias em ordem à conquista ou manutenção do poder, ou às manobras de oposição aos governos legitimamente instituídos pelo povo. Esta subtileza é como uma areia fina, quase líquida, que se infiltra em tudo. Mete-se na saúde, na educação, na religião, no desporto, nas artes… na política. Só não entra, em princípio, na transparência íntima e última do coração. Daí que, quando se começa a ler uma notícia, um artigo, alguns livros, todos os discursos, convém aplicar a necessária dose de desconto e desfocar a evidência ilusória das palavras e das ideias para mergulhar nas profundidades do oceano dos fazedores de opinião e patronos do bem comum. Com tantos livros, jornais, tanto palavreado radiofónico empapado de imagens na televisão, ignoramos o essencial do que se passa e do que se pensa, uma vez que os filtros e as lentes matizadas da política tudo alteraram. E a verdade continua a viver na clandestinidade. Será mesmo verdade que as palavras são os meios menos eficazes de nos comunicarmos? E que as evidências são as tintas mais comuns para iludir a realidade? Importa sempre perguntar: o que estará escondido por trás desta mensagem tão clara? Talvez toda a turbulência política do momento que vivemos, num constante dizer e desdizer do sim e do seu contrário, se entenda melhor no enquadramento das palavras transformadas em artificiais escudos de protecção e setas de arremesso. António Rego


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