Editorial

Os juízes da caridade

Paulo Rocha
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Paulo Rocha, Agência ECCLESIA

O antigo diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, o jesuíta Federico Lombardi, falou inúmeras vezes sobre a relação entre os media e a Igreja Católica e sobretudo operacionalizou esse relacionamento numa proximidade crescente, salvaguardando a especificidade e as dinâmicas de cada uma das partes. Uma ocasião, numa conferência realizada durante um congresso que reuniu títulos da imprensa católica da Europa, referiu-se aos indicadores de confiança (ou desconfiança) que podem existir entre as partes, entre os media e a Igreja Católica, marcados por uma tensão recíproca (o que não é necessariamente negativo). Dizia, na altura, que há dois temas em que a Igreja Católica, mesmo sendo completamente transparente e verdadeira, vai gerar desconfianças e reservas por parte dos meios de comunicação social e do debate mediático: os que se relacionam com a moral e com a gestão.

A cada passo, a tese do padre Lombardi comprova-se! Não só porque são recorrentes as incursões mediáticas nesses temas, também porque permanece alguma dificuldade em tratar nos meios de comunicação social o que decorre de comportamentos morais ou de opções administrativas. Se, por um lado, estão em causa decisões do foro individual, elas são tomadas, por outro, em nome de uma comunidade e têm, também por isso, repercussões públicas.

Diante da suspeita de gestão danosa por parte de instituições que atuam no setor social e dos seus responsáveis, tenham ou não qualquer ligação à Igreja Católica, é necessário, sem dúvida, afirmar a urgência de averiguar a verdade e exigir permanentemente a transparência. Mas tendo presente duas premissas: há circunstâncias em que não basta ser sério, mas é necessário parecer; e é preciso não esquecer ingenuamente que muitos debates são adulterados consoante pontos de interesse que se extremam sem cessar.

E as pessoas...! No contexto de um debate que não vai além de variáveis numéricas, esquecem-se muitas histórias de vidas, circunstâncias concretas de quem depende de uma ajuda para não ter fome, de uma palavra para sobreviver e do voluntariado para olhar outro humano. Tanto para organismos reguladores como para o escrutínio da opinião pública, é necessário incluir neste debate sobre o setor social as mulheres e homens, crianças ou idosos que, em qualquer momento, estão em contacto com organizações sociais e nelas encontram a garantia da elementar dignidade de vida. São esses os principais juízes da caridade.

Paulo Rocha

 



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