Editorial

Os velhos ângulos da justiça

António Rego
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Em rigor, não se pode dizer que o mundo de hoje seja hostil a Deus. Refiro-me ao nosso mundo, mais próximo, a que, por comodidade, chamamos ocidental. Que se saiba, continuam encerrados para obras os laboratórios do ateísmo científico e – segundo se veio a saber - muitos dos que existiam, alimentavam-se de produtos falsificados que não passavam de pretexto para colocar o homem no lugar de Deus. O que parece existir é uma espécie de apatia, fruto do amolecedor colectivo de memórias, que leva as pessoas a escorregar para o mais fácil e utilitário. Daí, uma superabundância de gavetas religiosas que servem as aflições circunstanciais mas deixam o ser humano vazio e perplexo a olhar não se sabe para onde. Do outro lado, do mundo islâmico por exemplo, cresce uma concepção aguerrida da presença de Deus no mundo. De tal forma que uma cidade não governada por Ele (Alá) é uma cidade simplesmente desgovernada. Daí a travar-se uma luta de morte pelo Estado religioso e pela expansão sem medidas, vai um passo. Como já aconteceu com o “estado de cristandade”. Sem simplificar em excesso, importa compreender que os sustos que temos vindo a apanhar nos últimos tempos se radicam neste fenómeno. O terrorismo perpetrado pelos grupos islâmicos extremistas encaixa nestes princípios assumidos com estreiteza e fanatismo. Perturbam um mundo “pós-religioso” e lançam a total confusão nas pessoas. Não basta dizer que estamos perante funda-mentalistas, retrógrados de religião incurável. Importa perceber que alguma apatia religiosa ocidental como que provoca e excita os zelosos defensores da presença de Deus na sociedade. As palavras do Cardeal Policarpo, no Domingo de Ramos, apelaram a uma serenidade lúcida face aos novos medos que desabam sobre nós. E expressaram a urgência da escuta de Deus: “É nestes momentos de insegurança humana que podemos compreender melhor como só a palavra de Deus e a fé podem ser fonte de sabedoria, de serenidade e de paz… Eis a mensagem desta Páscoa: perante os nossos irmãos dilacerados pela violência, perante multidões extenuadas e assustadas, reagir como discípulos, falar como discípulos de Jesus Cristo”. Mas importa analisar as causas da injustiça e do terror que nos amedrontam: “a solução radical não pode passar apenas pela vigilância e prevenção de novos actos de violência, aliás justas e necessárias. São precisas políticas lúcidas e corajosas que sanem essas injustiças e contribuam para a fraternidade entre os Povos.” A injustiça não vem apenas do outro lado do mundo. António Rego


Reflexo