Editorial

Ouvir limpidamente a consciência

António Rego
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Ninguém gosta de perder. E é possível que quem se empenhou emotivamente numa campanha pelo sim ou pelo não ao aborto, se sinta dependente da escolha inicial e não queira, por nada, dar o dito por não dito à última hora: a hora de marcar, na intimidade plena da consciência e no reduto secreto da mesa de voto, a sentença do sim ou do não. Ao aborto. A campanha tem os defeitos e as virtudes de qualquer campanha. Acende ânimos, suscita paixões, constrói e cega argumentos. E tem muitos efeitos colaterais. Com tudo o que se diz de certo e errado: sobre a mulher, o filho, a ciência, o momento da vida, o embrião, a sua organização como ser, como corpo e pessoa, a perplexidade e razões de aceitar ou rejeitar uma nova vida, a consciência confrontada com os valores que a guiam, o debate entre o marcado pela natureza e o mascarado pela ideologia - tudo isso vem ao de cima num debate onde, por vezes, parece simples um ou outro extremo da resposta à pergunta lançada no referendo. E custa perceber que há tantos amigos, com quem compartilhamos ideais, que dizem exactamente o contrário de nós. Há elementos extremamente positivos neste todo, vindos de ambos os lados, numa discussão politicamente livre, mas socialmente dependente. Interessa perceber que os cristãos quando dizem não ao aborto se referem essencialmente à intangibilidade da vida humana. Aqui não há subtileza. Não há meia medida. Há consciência. Os contributos científicos ou jurídicos são importantes para o debate, aprendizagem e esclarecimento. Mas não inspiram a decisão final porque essa só por ilusão se esconde ou esquece. E as mulheres – que aparentemente todos pretendem defender - são os seres que, na sua íntima voz, recusam, antes da palavra, qualquer modalidade de aborto. Seja qual for a sua religião, posicionamento de esquerda ou direita, com ou sem radicalidade. Antes do discurso de qualquer político ou entidade religiosa. Está no âmago de todo o ser. É duma evidência entranhada que dispensa demonstração moralista de esquerda ou de direita. Neste caminho, torna-se complexo envolver o todo num manto político ou ideológico. Está em causa um valor não passível de cálculos, que ultrapassa todos os artifícios que se exibem noutras campanhas políticas. Por isso, mais forte que tudo é a consciência, como voz última, íntima e soberana, que sobrepassa todos os simulacros. Ouvir limpidamente a consciência é escutar o melhor conselheiro da vida. António Rego


Reflexo