Editorial

Para memória futura

António Rego
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Não sabemos quanto tempo iremos passar sob a chuva viscosa da informação sobre os abusos sexuais desde há alguns anos acontecidos no nosso país. Lembramos o que não há muito aconteceu nos Estados Unidos com O.J.Sympson e Bill Clinton onde, ao escabroso da temática, se juntava o espectáculo do jogo do suspense sem desfecho à vista. Dificilmente alguém aprenderá algo de novo sobre sexualidade com os testemunhos e argumentos de acusação ou defesa. Mas a publicitação de acontecimentos desta natureza cria necessariamente um estado de espírito que oscila entre a quebra de todos os tabus e a criação de outros tantos, a pretexto da urgência da verdade e da justiça, e do respeito pelas vítimas miseravelmente assaltadas na dignidade da sua inocência. Aos os meios de comunicação saiu uma espécie de sorte grande, na rentrée, pois se abre matéria abundante de investigação, informação e truques de silêncio para mais exacerbar a curiosidade e, porventura, a morbidez que envolve todo este delírio de violência numa área humana tão delicada como a do afecto e da vida. A sexualidade tem um contexto de privacidade e comunicação de alma que, quando pervertida, resulta em aberrações que geram fenómenos que não apenas acontecem de verdade mas são explorados na praça pública, transformando a dignidade da pessoa em mero objecto de leilão. Em qualquer caso é muito importante desenvolver um estado de transparência, mais preocupado com a verdade, ainda que crua, do que com a aparência entorpecedora de uma sociedade continuamente branqueada pelos interesses dos mais fortes. Importa, neste todo, trazer para primeiro plano a dignidade das crianças e dos jovens que foram gravemente ofendidos, e procurar, com um mínimo de espectáculo, trazer a verdade e a justiça ao de cima. A sociedade precisa, mesmo que doa, conhecer a sua própria história e procurar, por todos os meios, transmitir ao futuro uma memória de valores que são o seu mais rico património e testamento. António Rego

Reflexo