Editorial

Pessoa e Estado

António Rego
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Público, privado, colectivo, individual, nação, povo, sujeito e objecto de governação. Para este todo, em segmentos, se constitui um governo que, teoricamente, o povo escolheu. Como também escolheu oposição tem, assim, pelouro nos dois ministérios e de si mesmo tanto pode falar bem como criticar-se com áspera pedra no peito. Assim se faz a democracia que, conforme se diz, é a maneira menos imperfeita de a comunidade se organizar. Mas quando os partidos se agrupam em famílias políticas, inspiram-se em divergentes ideologias e comprometem-se a privilegiar determinadas ópticas. Quando aparece a palavra “social†afirma-se claramente a prioridade da pessoa sobre a máquina, o apelo ao todo para repartir com cada um, a atenção particular aos que estão no extremo da mesa e que têm igual direito ao bem comum que envolve um conjunto de elementos essenciais à dignidade da pessoa humana. Assim sendo, o trabalho é mais importante que o capital, a casa mais urgente que a auto-estrada, a saúde mais imperiosa que o pacto de estabilidade, a educação tem prioridade sobre a construção de qualquer casino. Nos nossos dias isto é tão óbvio que lembrar pode parecer pura redundância ou lugar comum. Mas não é: a palavra Finanças foi a mais sacralizada dos últimos tempos, sacrificando tudo, inclusive o governo; as reformas mais baixas, as baixas moralizadas em benefício dos empregadores, a saúde convertida em empresa com sacrifício dos seus principais agentes, os médicos, o cidadão comum mais apertado nos impostos em favor de um teórico equilíbrio financeiro, o desemprego como inevitabilidade. Por isso, pouco sabendo de política e nada me interessando por jogos partidários – prefiro os de futebol – atrevo-me a sugerir que os ministérios que estiverem do lado do povo real, das pessoas concretas, batalhem até ao impossível para se não deixarem submergir pelos burocratas e contabilistas que adoram números e ignoram as pessoas. Desumanizar a política é fugir da cidade dos homens para um universo fantas-magórico de abstractos. Sei que exagero o desprezo pelos números. Seja para equilibrar o obsceno desprezo que temos observado pelas pessoas em tantas decisões puramente tecnocráticas. Na tomada de posse do novo governo uma única cena me tocou: a forma como os filhos do primeiro-ministro abraçaram e foram abraçados pelo pai. Cada português, pensei, merece esse carinho. Portugal não é uma repartição para envio de relatórios para Bruxelas. Somos pessoas, um povo, antes, muito antes, de ser Estado. António Rego


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