Editorial

Portugal ao longe

António Rego
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Mesmo sem se entender a língua, ou falando um português do tempo de Afonso de Albuquerque, há um povo que aí encontra a sua identidade, a venera, reza e ama com um enternecimento comovedor

500 anos não são nada na história. Andar 12 mil quilómetros de avião aos solavancos, chegar a um lugar, ver uma pequena fortaleza, dois barquinhos a percorrer a cidade como se fossem duas imagens de santos, os jovens numa correria para os acompanharem, alguns mais tisnados, junto ao mar a cantar melodias portuguesas tão distantes do original nas palavras como nas melodias, as casas marcadas por uma cruz, o bairro conhecido tanto como português, como cristão, faz, a quem chega, ainda que não seja pela primeira vez, estremecer de emoção por o povo a que pertence ser o mesmo que ali vive naquele bairro simples de pescadores.

Não sabem o nome do presidente da República nem do Cardeal-Patriarca de Lisboa, mas sentem-se transportados a uma origem que sendo, para um recém-chegado igual ao resto do povo de Malaca, traz um registo indefinido de fé e portugalidade próximos e naturais sem a mais pequena discussão sobre o laicismo, separação de poderes, profano e sagrado, passado e presente. Sabe-se que, mesmo sem se entender a língua, ou falando um português do tempo de Afonso de Albuquerque, há um povo que aí encontra a sua identidade, a venera, reza e ama com um enternecimento comovedor.

Expliquei que a imagem de Nossa Senhora de Fátima é a mais conhecida do mundo. Mas a que os portugueses agora lhes ofereceram é de Nossa Senhora da Conceição, foi coroada por um rei português e é a nossa padroeira. Foi um grupo de quinze jovens portugueses do ensino superior que levou o bandolim, a guitarra, o traje, a voz, um sorriso doce com um imenso respeito e dignidade, que acordou no coração dos presentes não apenas uma casa portuguesa, mas um povo lá dentro, com uma identidade para além do fado.

“Aqui sou mais do que eu”, diria Pessoa. E nada disto foi de organização burocrática. Aconteceu pela sensibilidade de quem cá passou e se apercebeu que por vezes, quanto mais longe se está mais se ama Portugal. E a fé que o integrou e integra, mudados os tempos e as vontades.

António Rego



Reflexo