Editorial

Presos à vida

Paulo Rocha
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Paulo Rocha
Paulo Rocha

Num ambiente de tertúlia, aproximaram-se narrativas de percursos de vida que se viram obrigados a reunir todas as forças para continuar “presos à vida”: o diagnóstico inesperado da inevitabilidade de amputação de mãos e pés, a cegueira congénita e a escravidão da droga que levou à prisão quem nunca desistiu de encontrar um “tino” para a vida.

Três histórias de desgraças? Sim, elas existiram! Mas mostram sobretudo a determinação em descobrir o gosto pela vida!

É impensável, na meia-idade, reaprender a andar, a comer, a vestir-se e tudo o mais com próteses no lugar de braços e pernas e ferros no sítio das mãos e dos dedos. Quem ultrapassou essas barreiras diz que “renasce” em cada dia. E acrescenta, com gentileza e após ter aberto o pequeno pacote de açúcar antes de o misturar no café com que termina a refeição, “se eu precisar de ajuda, peço!”.

Outro caso. Infelizmente, há muitas pessoas que não conhecem a luz, vivem permanentemente numa escuridão. Mesmo assim, muitos cegos falam dos tons e das cores que o mundo tem com entusiasmo, com realismo, certos de que “Deus pode não ter dado luz para ver o mundo, mas deu o coração para o descobrir com muito mais sensibilidade”.

A terceira situação. É partilhada por quem deixou casa e família ainda na infância e saiu de um desses lugares “problemáticos” rumo a aventuras, todos os dias.

Facilmente se percebe o desfecho de um itinerário de vida que cresceu neste ambiente e com referências completamente frágeis, mesmo na família. Até ao dia em que “cai a máscara”, reaparece o sonho de uma vida com sentido e a decisão de uma mudança radical. Porque esse horizonte é uma marca permanente, mesmo em quem passa anos na vadiagem, na droga, rouba e acaba na prisão. “Nunca me senti preso!”, garantia quem passou muitos anos detido, dias consecutivos na “solitária”. Mas a essa convicção acrescentava: “Não julguem nem gritem, apoiem”, porque “todo o ser humano é sempre mais do que o seu erro”. E, acrescento, mais do que o seu sofrimento, o seu limite, a sua deficiência.

Por momentos, pessoas e grupos parecem deixar-se afetar e entusiasmar por cartazes de mau gosto ou leis que desconhecem o direito e têm por fundamento apenas a ideologia da ocasião. Mas a história confirma que sempre se faz pelos que permanecem presos à vida.

Paulo Rocha



Pastoral das Prisões