Editorial

Puro espírito de Assis

António Rego
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Estava na Torre da Basílica de Assis. Faltavam cinco minutos para o início e ainda não havia circuito com Lisboa. Era uma transmissão directa da Radiodifusão Portuguesa. Outubro de 1986. No largo das arcadas estava o Papa João Paulo II. Acompanhei-o na subida a pé pelas ruas estreitas de Assis, com outros responsáveis de Confissões Religiosas. Fiz, na altura, as contas e calculei em 3 mil milhões os crentes ali representados. Numa oração pela Paz. E recordo cada prece que se elevou de Assis ao Deus Universal para que os homens acertassem duma vez por todas com a porta santa da paz. João Paulo II não se sentiu nem superior nem inferior nesse encontro. Foi o seu congregador e teve a aceitação do mundo desejoso de Paz. Mesmo dos que não se encontravam muito bem com o nome de Deus mas O procuram nos sinais que os humanos podem captar e transmitir. Afinal conseguiu-se ligação. E nunca mais esqueço a transmissão de vozes e gestos que se elevaram em tons, ritmos, ritos, cores, evocativos da policromia cultural e religiosa do nosso planeta. E nem por um momento se pareceu com babilónia de religiões ou mistura anódina de credos. Tudo foi cristalinamente iluminado pelo sol poente no Vale da Umbria, com uma espécie de encontro da poeira fina da terra com o sol magnificente, de todos, no poema miraculoso de Assis. Recordo também 2002, pouco tempo depois do 11 de Setembro, com João Paulo II muito mais envelhecido e doente, e com uma violenta tempestade sobre a celebração de Assis. Wojtila repetiu o gesto, presidindo ao rito comum duma lâmpada de azeite acendida pelo representante de cada Confissão Religiosa. Em 2007, no Oitavo Centenário da conversão de S. Francisco de Assis, na sequência de João XXIII e João Paulo II, Bento XVI, em peregrinação espiritual lembrou a “intuição profética” de João Paulo II, considerando-a um “momento de graça”. E lançou um apelo veemente: “que cessem todos os conflitos armados que ensanguentam a terra, se calem as armas, e, em todo o mundo, o ódio dê lugar ao amor, a ofensa ao perdão, a divisão à união”. Puro espírito de Assis. António Rego


Reflexo