Editorial

Ralar-se ou relacionar-se

Paulo Rocha
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Paulo Rocha
Paulo Rocha

Paulo Rocha, Agência Ecclesia

A conversa aconteceu num jantar quando uma jovem contava o seu quotidiano na escola. Dizia que tinha muitas amigas e amigos com quem se relacionava, mas parecia “não se conhecerem”. Claro que a interrogação é imediata: mas porquê, o que está a acontecer?

O contexto é frequente, na atualidade: entre o grupo, o relacionamento é constante, mas pelas mediações tenológicas; depois, a circunstância de estar cara-a-cara, sem precisar do toque em qualquer ecrã para enviar ou receber uma mensagem, parece impedir a comunicação e até o conhecimento do outro.

Nunca olhei para as tecnologias como obstáculo à realização pessoal ou ao fortalecimento de relacionamentos interpessoais, sempre necessários a todas as pessoas. Como todos os instrumentos – sim, mesmo gerando uma nova cultura, os atuais meios de comunicação não deixam de ser instrumentos - a classificação como positiva ou negativa depende sobretudo da utilização que deles se faz.

Agora, um outro quadro, o que é possível “pintar” em cada verão, quando muitos jovens decidem partir para longe ou para perto para fazer voluntariado. Do destino pouco sabem, do que os vai ocupar ainda menos. E, quando chegam, encontram no relacionamento com desconhecidos o fator essencial do sucesso de uma experiência sonhada com muitos outros ingredientes! De facto, mais do que fazer muitas coisas e para além da utilidade no fazem junto de populações que bem precisam de companhia e de ajuda, é o relacionamento interpessoal que mais marca quem generosamente decide desviar os olhos de um ecrã para os fixar num horizonte bem largo.

O relacionamento sincero, genuíno, verdadeiro, honesto e transparente com todos os que fazem parte do quotidiano de cada pessoa é gerador de felicidade. Em causa não está a aplicação estratégica de métodos de comunicação ou motivação relacional. Mais do que cumprir programas, interessa decidir, partir ao encontro do outro, de realidades novas, do que pode enriquecer o itinerário de vida pessoal, familiar, de uma comunidade e também aí estabelecer relações autênticas.

O tempo de férias pode ser ocasião para dar abraços a velhos conhecidos, estar atendo a novos amigos e estreitar relações com os que fazem parte da nossa história de vida.

É um erro ralar-se com quem está por perto para procurar relacionar-se virtualmente com quem está longe. Mesmo sem se ralar com quem está longe, é fundamental relacionar-se com quem está perto.

Paulo Rocha



Voluntariado missionário