Recordo-me - ainda não estava corrida a cortina de ferro - de uma reportagem que fiz num país do Leste. Com mil cuidados e outros tantos polícias disfarçados de guias generosos. Sabendo do meu interesse, conduziram-me, num domingo, a um templo católico durante a celebração de uma missa. Com duas condições: não perturbar as cerimónias, nem sair antes do fim. Tudo certo, com uma liturgia tão rubricista como se não tivesse acontecido o Vaticano II e a reforma litúrgica.
Mas o que aqueles senhores me queriam demonstrar abundantemente era que ali – estava na Alemanha do Leste, nos anos setenta - havia liberdade religiosa.
Bem me lembrei de Portugal e do tempo em que todas as missas eram permitidas mas onde havia um certo número de temas que não se podiam abordar, como eram apreendidas publicações, vigiados alguns movimentos católicos, controlados os passos de leigos e clérigos a quem era fácil imputar perigos para a segurança nacional. E por aí adiante, salvas naturalmente as diferenças, mas mais frequentes do que se pensa as concepções idênticas de liberdade e de religião.
Liberdade religiosa não é apenas liberdade de culto. É o direito de exprimir e celebrar a fé em toda a extensão da vida. Esta simples enunciação pode acordar fantasmas, como se uma investida do religioso pretendesse dominar e sufocar a vida social e política de um país. Muitas das reacções que se expressam por actos públicos de borbulha agnóstica ainda se enquadram como grito de libertação do domínio do religioso sobre o civil. Não se nega que tal já aconteceu, mas importa perceber o que se pretende ao afirmar a amplitude do religioso nos tempos de hoje.
A Europa vive um processo de unificação no alargamento da União Europeia a outros países, abrangendo boa percentagem do Leste. Muitos deles conheceram a antiga falta de liberdade religiosa. Hoje, outros mecanismos se podem urdir para restringir a presença das igrejas na cultura, na arte, nos centros de decisão, na comunicação social. Algumas subtilezas manhosas de laicismo lembram velhos truques dos regimes totalitários. Pelo sim ou pelo não, convém estarmos prevenidos na separação das águas e na clarificação dos conceitos. A perseguição religiosa não se reduz à expulsão de missionários ou prisão de sacerdotes ou religiosos. Como dizia há pouco João Paulo II podemos estar por vezes diante de uma “apostasia silenciosa” que vive e pretende criar uma sociedade como se Deus não existisse.
António Rego