Roma, Lisboa e o mundo
Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
O segundo consistório do atual pontificado reveste-se de uma importância particular para a Igreja Católica em Portugal, ao confirmar a já secular tradição da criação cardinalícia do patriarca de Lisboa. A missão agora confiada a D. Manuel Clemente pelo Papa Francisco vai para além, no entanto, da repetição de um gesto mecânico, e pode ser lida à luz da preocupação com as periferias geográficas e existenciais que o atual pontífice tem vindo a manifestar, sistematicamente.
Ao criar 15 cardeais eleitores de 14 países dos cinco continentes, Francisco reforça a sua intenção de universalizar o Colégio Cardinalício - embora ainda existam mais eleitores italianos do que de toda a América Latina e Caraíbas - e confirma que o seu modelo de governo não é o de uma multinacional, que procura centralizar poderes e espaços de decisão: pelo contrário, são os que estão na linha da frente da ação da Igreja Católica, em todas as culturas e nos mais variados pontos do globo, que têm a missão de apresentar caminhos, experiências, para que as decisões não nasçam sem referência à realidade concreta. Para o Papa, o verdadeiro poder é serviço e, nesse contexto, o cardinalato não é, obviamente, um prémio, mas uma ‘vocação’, um chamamento para contribuir mais de perto no serviço de unidade que o Bispo de Roma desempenha.
A nomeação do patriarca de Lisboa não foge a esta lógica, pelo contrário: Portugal é uma das periferias da Europa e sofre, ainda hoje, com essa circunstância. A presença histórica do catolicismo no nosso país revela, por outro lado, o ‘poder das periferias’: este pequeno país foi capaz de ultrapassar aquilo que as suas forças poderiam fazer supor, levando o Evangelho a milhões de pessoas, em muitos casos pela primeira vez.
Simbolicamente, o Papa escolhe ainda como cardeal um bispo de Cabo Verde, D. Arlindo Furtado, vindo do que poderíamos designar como “periferia das periferias”, confirmando o dinamismo deste legado lusófono nos vários continentes, a que se soma a criação cardinalícia de D. Júlio Langa, bispo emérito de Xai-Xai, em Moçambique.
Francisco mostra, cada vez mais, que a renovação em curso não se quer limitar a operações cosméticas, mas é interior, de atitude, questionando toda a Igreja Católica sobre o que deve ser e como deve estar no século XXI, fiel à sua identidade.
Octávio Carmo
Consistório