Editorial

Saudades da tabuada

António Rego
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A gente não deve falar daquilo que não sabe. É verdade. Mas às vezes, escutamos pessoas sábias a emitirem opiniões exactamente opostas sobre o mesmo assunto. Quando não, a mesma pessoa, com variantes astronómicas sobre a mesma matéria, consoante o contexto ou o interlocutor. Não se trata bem de mentira ou verdade, mas de aproximações a temas “caleidoscópicosâ€, onde o ser e o parecer humano envolvem aspectos que não se arrumam nas fórmulas sintéticas ou nos títulos rápidos tão apetecidos da comunicação compacta do nosso tempo. E se o que está em análise é a pessoa, qualquer observação redobra sempre de complexidade. Aí está mais um começo de ano escolar com bandos de crianças e jovens a povoarem as nossas escolas. Ainda antes de começarem as aulas já muitos comentadores ensaiam conclusões: “os alunos não sabem nada e de tudo, não têm mais que uma vaga ideia. Em matemática grande parte deles não passa de zero e, quanto a português, basta ouvir as conversas de esquina ou vigiar os erros abissais que cometem nas poucas linhas que escrevemâ€. E por aí adiante. Mas às vezes colhe-se a impressão de que há muitas saudades da velha tabuada, das cantilenas do professor muito bem memorizadas e repetidas pelos bons alunos, das letrinhas muito certas sem um deslize imaginativo, da confusão total entre disciplina e aprendizagem, crescimento na cultura e encaixe de formulações, ou cumprimento burocrático de programas. A matéria é complexa, mas não se pode esquecer que estamos perante um “homem novo†que absorve conhecimentos por outras vias e tem arrumações mentais com outras (des)ordens. Os programas, pastas, ficheiros, disquetes e discos rígidos, com novos livros cheios de edições, inserções, formatações, ferramentas, tabelas, janelas e centenas de neologismos instalados na cabeça dos novos aprendizes de cultura, convidam os sábios, professores e pedagogos a, pelos menos, lerem com melhor atenção o que vem inscrito no pano fundo sobre que cairão todas as suas eruditas lições. Também a aprendizagem é global e o jogo entre o cérebro esquerdo e o direito abre caminhos que devem ser serena e humildemente explorados. Para se não repetir o “erro de Descartes†É, no mínimo, precipitado, olhar os caminhos de hoje como se fossem os pachorrentos atalhos do passado. Ser professor é uma das missões mais nobres e mais ingratas porque surpreende muitos alunos a alta velocidade numa curva da cultura moderna. Eis uma matéria em que é bom sermos eternamente aprendizes. António Rego


Reflexo