Não encontrei rostos marcados pela habitual compunção face à notícia da morte. Confesso que, a princípio, não percebi, nem em mim mesmo. Uma espécie de sorriso terno aflorava a quantos iam sabendo da morte da Irmã Lúcia. E um silêncio discreto.
Que segredo tinha esta mulher para além duma vida longa, portadora duma mensagem que remexeu com o país, a Igreja e um bocado do mundo no século XX? Não faz história quem quer mas quem para isso é eleito e sabe responder. No caso da Irmã Lúcia com tenacidade, sofrimento, silêncio e alegria. E uma simplicidade enternecedora de quem se considera sem importância, tenazmente colada às raízes da sua terra e elevada às alturas de uma outra vida continuamente redescoberta e aprofundada no silêncio e na oração do Carmelo.
Recordo, com a Irmã Lúcia, dois momentos excepcionais: as suas expectativas face à visita do Papa a Fátima no Ano Jubilar. Desejava profundamente o que deseja qualquer peregrino: estar próximo do Sucessor de Pedro, sentir a confirmação do “sacramento” de luz que Deus lhe havia concedido, repetir o propósito de união e prece. E disse expressamente ao Bispo de Leiria como gostaria de estar uns momentos a sós na Basílica com João Paulo II. Não disse porquê. Mas ficámos a sabê-lo na celebração do dia 13 de Maio do ano 2000.O Papa sentira-se identificado naquilo que se conhecia como a 3ª parte do Segredo de Fátima.
Um segundo e último momento com a Irmã Lúcia aconteceu no dia 14 de Maio desse ano. Após um telefonema parti à pressa de Lisboa para acompanhar uma visita da irmã Lúcia à sua terra, à sua casa, à Loca do Cabeço, à estátua do Anjo, ao Poço donde bebeu com o maior gosto água, como na sua infância. Foram cerca de duas horas de aprendizagem com alguém que dentro do Convento vivia, por inteiro, a alegria da terra, da infância, da família. E da Pia Baptismal, tão querida como o Poço do seu quintal onde ocorreu a Segunda Aparição.
António Rego