Editorial

Serviço Público de televisão

António Rego
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Possivelmente ainda ninguém compreendeu por inteiro, nem sequer quem tenta explicar, o que será o Canal Sociedade, eventual sucessor do Canal 2 da RTP. A ideia está muito vaga mas deixa entender que terá programação sustentada pelos conteúdos, por exemplo, da Fundação Gulbenkian, ou do Teatro S. Carlos, ou das nossas orquestras sinfónicas, ou ainda das Fundações Portuguesas que podem ter algum aparato cultural ou sonoridade financeira. Parece-nos, desde logo, que grande parte destas instituições têm alvos sociais muito distantes das televisões, sobretudo dos canais abertos, ainda que voltados para programas ditos culturais. Já aprendemos, através das televisões privadas, que a massa e o grupo são dois destinatários incompatíveis em televisão. E as intenções óptimas de lançar produtos de minorias na praça dos grandes mercados mediáticos tem quase sempre como desfecho a asfixia, por impossibilidade de compa-tibilizar linguagens e destinatários. Isto não quer dizer que não se programe qualidade nas televisões. Pelo contrário. Diz que a qualidade em televisão é diferente de uma pequena câmara de eco para consumidores iniciados. É o misto de forma e conteúdo configurados para a grande comunicação audiovisual Neste contexto, torna-se evidente que a programação religiosa ora existente na RTP, deve continuar a ser considerada Serviço Público, que a nenhum título pode ser retirada do Canal 1 para se alinhar num caleidoscópio de mensagens pertencentes a minorias muito direccionadas. O religioso não é um produto circular, intimista e privado. É integrante do todo da pessoa e não se entende, no nosso caso, prisioneiro de um segmento reduzido e redutor. Sendo indiscutivelmente Serviço Público, reconhecido e legislado pelo Parlamento não pode, na hora da verdade, ser retirado da sua legítima praça mediática e convertido em fragmento mínimo e hermético da sociedade portuguesa. Bons ou maus, os portugueses, na hora da verdade, entre 85 e 88 por cento declaram-se crentes e seguidores de uma religião concreta. Colocar a sua expressão religiosa num segmento de minorias, seria inseri-lo num clube de diletantes de qualquer arte ou ofício. Não se trata de um privilégio de poucos mas do direito da maioria expressiva do país.


Reflexo