Editorial

Sobre a vida

António Rego
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Um dos possíveis efeitos da discussão puramente técnica e política sobre o aborto é matar a beleza da evolução da vida humana. Não há nada de mais sublime à face da terra que o encantamento dos pais no seguimento atento do evoluir de seu filho, ainda pequeno ser, no ventre materno. O mistério da vida como que fica profanado na redução de um novo ser a um puro â€amontoado de célulasâ€. A mais elementar das ciências reconhece que o ser humano, no seu todo potencial, já está ali. Ganha por isso significado especial a Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa intitulada “Meditação sobre a vidaâ€. É, de facto, o único ângulo possível de observação de um fenómeno humano que se não pode definir como instrumento legal ou mera hipótese química descartável. A nossa vida é participação da vida de Deus.â€Nós vivemos porque um sopro divino nos tornou vivosâ€. E aos seres humanos ofereceu o dom de repetir o milagre da vida. Esta é a realidade maravilhosa que nos gerou e nos sustém como humanidade. Infelizmente reduz-se, por vezes, a transmissão da vida a um simples impulso instintivo, e a sua evolução a uma conveniência familiar, social ou económica. E, como é sabido, o fenómeno da vida nunca pode ser isolado do seu todo. Mesmo para os não crentes, não deixa de ser mistério, pelo insondável e sublime significado que sempre alberga. A vida, no dizer da presente Nota Pastoral,â€Ã© um longo caminho†que tem o homem (na própria narração bíblica) como plenitude da criação. Se isto se dá no caminhar da humanidade, repete-se no percurso de cada ser humano. Temos um início e uma plenitude igualmente insondáveis no desenrolar dos tempos. Na luz da fé o início vem do “sopro†de Deus que, passando por Jesus Cristo vai consumar-se na ressurreição final. Tudo isto pode parecer um gongorismo teológico, mais interessante para encher compêndios que para resolver problemas da vida real. Mas é exactamente aí que mora o risco: reduzir toda a vida à lógica do mais fácil, mais barato e mais rentável. Ou a vida humana rompe esta visão estreita, ou se afoga na mediocridade do imediatismo sem nobreza nem dignidade. O resto, depois, tem de ser discutido, afirmado, defendido. Mas precisa ter como ponto de arranque a sublimidade da vida humana, como primeira das verdades e mais sagrada das certezas. Sem esse reconhecimento mágico nem a ética, nem a lei, nem as penas, salvam o que quer que seja. A presente Nota Pastoral é, na defesa firme dos princípios, um exemplar hino ao primeiro e mais excelente dos dons - a vida. António Rego


Aborto