Editorial

Uma bomba a bordo

António Rego
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A informação diária, em jornais, rádio, televisão ou Internet, continua balanceada entre a bênção e a maldição. Pondo frente a frente - ou de candeias às avessas - jornalistas, polícias, tribunais, investigadores, fontes e detectives. Grande reviravolta foi a notícia voltar-se contra quem a escreveu, filmou ou se meteu por caminhos escusos na corrida frenética à primeira página, na antecipação à concorrência, na conivência com pesos pesados do universo subterrâneo do crime ou da intriga. A informação nestes últimos tempos revelou-se como uma bomba a bordo que pode explodir quando menos se pensa. Os noticiários pareciam mexerico de mercearia, conversa de aldeia, intriga de bairro, título de gang. Dá impressão que tudo o que se contava pela calada se vocifera do alto da rua, autorizando e promovendo toda a espreitadela possível que transforme em interesse público o mais reservado dos gestos privados. A informação foi apanhada na rede e fez o espectáculo consigo mesma. Com o alcoviteiro do beco que andou a mostrar retratos ao regedor, o escrivão que disse e desdisse no mesmo dia e quase na mesma hora, ou o professor que copiou a redacção pelo vizinho. Em vez dos comentadores de bancada, são os jogadores no terreno que julgam os comentadores. A notícia também fez correr de boca em boca que o povo, os povos, os cidadãos poderiam pensar se queriam guerra ou paz. Possivelmente nenhuma guerra da história foi tão discutida na praça pública como a que está pendente. Que pode acontecer. Mas a informação levou a que, nunca como hoje, o beligerante tivesse que explicar os quês e os porquês de uma intervenção armada. Os ditadores sempre tiveram relutância em conceder autorizações para alguém, que não eles, informasse. Jornais, rádios e televisões do regime foram o que mais houve, também entre nós. Agora, com a liberdade, a prestidigitação narrativa sobre a vida tem um preço elevado para a comunidade que se perde com tanto tiroteio informativo. O que está a acontecer de novo no meio de nós é que muitos dos alvejados são os comunicadores. Com as armas que habitualmente arremessam do seu poderoso castelo. Não se reclama o regresso dos ditadores. Mas que se assuma a consciência e a responsabilidade do risco. A notícia é uma arma.


Reflexo