Ver com o coração
Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
Os dias que passam diante de nós surgem sempre com uma multiplicidade de imagens ligadas aos mais diversos sofrimentos da humanidade, uma constante da vida da terra. Fazemos instintivamente uma seleção dos acontecimentos a que dedicamos a nossa atenção e deixamos correr os outros, até porque nos parece insuportável carregar connosco tanta dor.
O apelo a construir ‘num só coração, uma só família humana’, feito pela Cáritas Portuguesa, na semana nacional de 2015, carrega consigo um enorme apelo à fraternidade, concreta e solidária, que vá para além dos sentimentos epidérmicos que o sofrimento alheio é capaz de causar (e mesmo assim nem sempre). Um chamamento a alargar o coração às fronteiras de todo o mundo, para ver em todos alguém como eu, portador da mesma dignidade e merecedor do mesmo respeito, em todas as circunstâncias.
Do ponto de vista interno, este desafio implica que os católicos tenham uma disponibilidade cada vez maior para ir ao encontro das “periferias” de que o Papa Francisco (num discurso felizmente seguido por cada vez mais responsáveis) tanto tem falado, dos dramas mais ou menos escondidos da existência, onde quer que eles se vivam, para levar uma palavra de conforto e esperança, com soluções de sentido e realização que permitam a concretização de sonhos e de futuro.
Este dinamismo transformador do mundo depende, ainda assim, daquilo que nos é dado a conhecer e da capacidade de denunciar o que precisa de ser mudado. No caso português, naturalmente, a atenção vai para a crise que se arrasta e para as suas evoluções e prometidas revoluções na Europa. Ver com o coração, digo eu, implica neste momento mais, muito mais do que discutir os cachecóis de Yanis Varoufakis.
Os novos messianismos ideológicos ou políticos impressionam-me pouco, confesso. Pessoalmente, interessa-me mais saber o motivo que leva eurodeputados de formações políticas ditas impolutas a abster-se de comentar situações de repressão e violência em países onde vivem centenas de milhares de portugueses e seus familiares. Desejo que a história não se repita, contrariando a célebre máxima ‘o que os olhos não veem, o coração não sente’. É preciso, todos os dias e cada vez mais, sobretudo nas cúpulas de decisão, aprender a ver com o coração e não com a carteira.
Caritas