Verdade e preconceito
Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
A aproximação do centenário das Aparições de Fátima e, mais recentemente, o anúncio do fim da fase diocesana do processo de canonização da Irmã Lúcia, concentraram os holofotes da opinião pública sobre os acontecimentos de 1917, na Cova da Iria. Um momento que mudou a fisionomia da Igreja Católica em Portugal, com implicações mundiais, e que ainda é lido por muitos como se nada tivesse mudado neste século.
Há obviamente várias intenções por trás de investigações e novas publicações, das mais sérias e profissionais às mais sensacionalistas e interesseiras. Ao público compete não cair da cilada de quem vende o velho como novidade nem de quem se copia ao que já foi feito.
Será difícil acreditar em alguém que diz vir agora revelar “toda a verdade” sobre Fátima quando se sabe que há milhares de documentos por estudar. A construção e reconstrução de teses antigas não faz jus à inteligência nem à sensibilidade com que um tema tão delicado merece ser tratado.
Tem já um século esta desconfiança recíproca - por vezes fundada - entre quem acredita nas Aparições, reconhecidas pela Igreja Católica (e este é um caso encerrado) e quem, mais do que não crer, as procura desacreditar. O fosso atual entre a verdade e o preconceito em nada ajuda à reflexão necessária sobre o impacto deste fenómeno religioso, espiritual, humano, social, turístico e tudo o mais que ainda é preciso descobrir sobre Fátima.
O longo e detalhado processo de canonização da Irmã Lúcia pode ajudar a compreender melhor a dinâmica que levou à consolidação e transmissão da memória dos acontecimentos de 1917, com a certeza de que muitos são aqueles que o protagonizaram, de forma mais ou menos anónima, dando-lhe um corpo e uma história que ultrapassa em muito o que conseguimos compreender. Para isso, também são precisas perguntas incómodas que façam nascer respostas adequadas e, sem dúvida, a superação definitiva de um olhar que tende a “menorizar” Fátima, mesmo no seio da Igreja Católica.
Fátima