Visitar o ardido
Paulo Rocha, Agência ECCLESIA
Os meses de férias trazem sempre surpresas. Elas chegam a quem não pode sair de casa pela visita de amigos ou conhecidos e acontecem sobretudo com quem parte, na aventura de mulheres e homens que se lançam rumo ao desconhecido ou esperam encontros com cenários familiares, sempre em busca de descanso, de conhecimento, de humanismo. Este ano, o tema do turismo sustentável convida a opções específicas para dias de férias, transformando dias de diversão sem limites que podem contribuir para a insustentabilidade do planeta em fruição da natureza e compromisso com a sua salvaguarda.
A resolução da ONU que declarou 2017 Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento refere que as iniciativas que o assinalam devem “promover uma melhor compreensão entre os povos em todo o mundo”, conhecer e reconhecer “o rico património das diversas civilizações”, valorizar um “instrumento positivo para erradicar a pobreza” e “proteger o meio ambiente”. Desafios colocados às instituições que assumem o dever de promover o turismo sustentável, mas não só! Eles colocam-se também a cada cidadão no momento de escolher um destino, uma visita, um local para descanso, diálogos, convívios, partilhas, enriquecimento recíproco…
As decisões para este verão, no contexto do turismo sustentável, têm de incluir outra premissa: os 43.228 hectares de espaços florestais que arderam em apenas nove dias do mês de junho, nos distritos de Coimbra e Leiria. Acresce a este indicador um outro, esse sim determinante para qualquer análise ou decisão: o incêndio de Pedrógão Grande vitimou 64 pessoas e causou mais de 200 feridos, matou mais de 1500 animais, afetou perto de 500 casas e gerou cerca de 20 milhões de prejuízos na agricultura.
Apagados os fogos, estes fogos, e mesmo antes de serem dados por extintos, a solidariedade superou expectativas e necessidades. Bens e recursos financeiros chegam à região afetada e ensaia-se a reconstrução do destruído pelas chamas. Por fazer fica, por certo, a recuperação de cada coração, de cada vida, sobretudo daqueles que viram familiares desaparecer como o fumo…
A tragédia que aconteceu num Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento tem de motivar todos, cada cidadão e cada família, a deixar o seu contributo para a recuperação de vidas devastadas pelas chamas. Neste verão, é necessário estar, olhar, falar e sobretudo escutar as gentes e as terras que têm cinza e morte para mostrar a quem chega. Depois da solidariedade, de entregar donativos ou bens, é preciso partilhar a vida, o dia, a rua. Estar! E isso só se faz no local da tragédia.
Marcelo Rebelo de Sousa disse na última visita a Castanheira de Pera que voltaria “uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes, as vezes que forem necessárias”. E desafiou os portugueses a uma “caminhada conjunta” no recomeço de muitas histórias de vida.
Neste verão, cada português deveria assumir o compromisso proposto pelo presidente da República: visitar o ardido, as terras e as vidas, para uma caminhada conjunta de reconstrução.
Eu vou visitar o ardido. E tu?
Paulo Rocha
Incêndios