À CONVERSA COM... tenor Giovanni D'Amore André Rubim Rangel 21 de Dezembro de 2004, às 16:53 ... Portugal: gente simples, com grande senso de civismo e educação Voz Portucalense - Qual a razão deste seu último álbum "Flores para Amália", que irá apresentar ao vivo no próximo Domingo em Paranhos, no Porto? Giovanni d'Amore (GD'A) - "Flores para Amália" é uma homenagem de vida a uma amiga, Amália Rodrigues, que tive o prazer de conhecer já tarde mas duma forma incrÃvel, dado que foi ela que me contactou após me ter ouvido cantar na "Praça de Alegria" da RTP, em 1998, em que apresentava o meu trabalho de canto italiano. Ela telefonou em directo para mim, para me cumprimentar e para manifestar o desejo de me conhecer. Tive a oportunidade de me privar vários momentos com ela, quando vinha da Itália em visita a Portugal. Naturalmente que com isto, e depois da morte da Amália, continuei a prestar-lhe a minha homenagem. Portanto, desejava um dia ter podido cantar - porque não? - em dueto com ela, porque mesmo ela disse-me que tinha essa vontade. Chegamos, em brincadeira, a cantarolar juntos na casa dela. Numa 2ª fase ela partilhou-me toda a sua vida. Por isso, para mim esta homenagem tem todo o sentido! É homenagem a Amália e homenagem à música. E é feita com os músicos particulares da Amália, que a acompanharam durante décadas por todo o mundo. Fiz questão de fazer este trabalho com eles. VP - Então nunca chegou a cantar publicamente com a diva do fado? GD'A - Não, porque quando a conheci já estava retirada dos palcos, já não cantava. Mas, como tenho dito, Amália sempre me acompanhou desde pequeno, pois eu tinha um disco dela em casa, "Amália em Itália", em que apresentava a versão italiana de "Coimbra" e "Lisboa Antiga". Nunca pensei nessa altura vir a conhecê-la pessoalmente. O destino, sinónimo da palavra "fado", fez com que fosse seu testemunho. Mesmo depois da sua morte ela quis que eu mesmo fosse seu embaixador, continuador do seu trabalho. Ela é o meu "anjo da guarda": quando canto sinto-a comigo no palco. Amália lançou-me este desafio, porque acreditava que sendo eu tenor de ópera conseguiria cantar o fado. Fez-se assim esta mistura. Não quero exibir-me em fadista, porque não o sou! VP - Como músico o que é que viu de tão especial e extraordinário na música de Amália Rodrigues? GD'A - Amália é a Maria Callas do fado. É a rainha do fado. Amália era uma pessoa muito simples, com um grande talento. Ela tinha este dom, ela é única e imortal. Não haverá outra Amália. Ficará e já está na História. Acho que tive mesmo um grande privilégio conhecer uma grande Senhora. Isso marcou-me e nunca a esquecerei, todos os momentos que privei com ela. E quero continuar, porque neste último trabalho descobri muitas facetas. Descobri que a guitarra portuguesa não serve só para acompanhar o fado. Irei cantar num espectáculo, com o som dessa guitarra, músicas como o "O sole mio" ou "Granada", assim como clássicos internacionais. VP - Qual foi a mensagem da Amália dirigida a si que mais lhe tocou e que grava no seu coração? GD'A- Mais do que mensagem oral impressionou-me o facto de ser uma mulher muito simples, mesmo passando por grandes espectáculos, grandes Teatros. Não era mulher de grande estar, de grande vida, mas de grande simplicidade. Isso tocou-me. Da Amália fica-me a sua amizade e bondade de coração. Era muito humana, gostava de ajudar os outros. Ela mesmo desarmou-me com a sua humildade e disse-me: "Giovanni, lembra-te na vida que para seres grande tens que ser humilde". É isto que tento transmitir aos outros, pelo que faço. A humildade ajuda-nos a ficar com os pés assentes no chão, sem pensar em projectos ocos. Estamos de passagem nesta vida, porque somos empréstimos da terra. Quando formos de vez não deixaremos nem levaremos nada. VP - Sei que é um cristão empenhado, de educação familiar cristã... GD'A - Como dizia há pouco, o mundo não nos pertence, estamos só de passagem. Há um livro onde está escrito tudo, onde há Alguém que se lembra de nós, a BÃblia. Eu penso nisso. Nós somos instrumentos de Deus. Madre Teresa de Calcutá dizia que "somos um lápis nas mãos de Deus". VP - De que forma é que passa e testemunha a sua grande fé? GD'A - Eu rezo sempre. A fé é algo onde nos podemos amparar, porque sem fé imagino que deva haver um grande vazio, não sei. VP - Como foi esta descoberta apaixonada por Portugal, que fez com que viesse cá muitas vezes? GD'A - A primeira vez que vim cá foi em 1993, através da música, na cidade de Coimbra. Tinha cantado com o Coro Misto da Universidade de Coimbra numa digressão que eles fizeram a Itália. Posteriormente ao convidarem um Coro italiano a vir cá quiseram que eu viesse com esse Coro, como forma de agradecimento pelo apoio que lhes tinha dado em Itália. E assim foi. Fiquei fascinado por Portugal, porque é um paÃs muito bonito, acolhedor, de gente simples, com grande senso de civismo e educação. Li uma das memórias da Irmã Lúcia em que diz que o povo português tem uma crença e religiosidade enorme. De facto, tenho visto e admiro isso. Tive também o prazer de ser abençoado por N.ª Sr.ª de Fátima, por ter cantado no Santuário de Fátima nos dias 12 e 13 de Maio de 1998. Foi uma grande emoção. Estive também nos Açores em 2003, numa Festa ao Divino EspÃrito Santo, em que cantei o Hino a Ele dedicado. Tenho esta missão de cantar por vocação. E agora, recentemente, cantei esta homenagem à Amália em todas as lojas Fnac do paÃs. VP - Entretanto quando decidiu fixar de vez residência no nosso paÃs? GD'A - Em 2002. Mas continuo a viajar. No entanto fiquei porque estava a ser muito solicitado para fazer concertos e recitais. Tinha comigo um pianista italiano conhecido, que me acompanhava. VP - De que forma aprendeu a falar tão bem e fluentemente a lÃngua portuguesa? GD'A - Muito tem a ver com o canto para aprender a cantar. E também, logicamente, pelo contacto directo e permanente com o português. Sinto-me um pouco português. Sou casado com uma portuguesa. E quis aprender a falar a lÃngua por uma questão de respeito, porque acho que quando se vai a um paÃs diferente deve-se tentar falar essa lÃngua. VP - Sente saudades de Itália, de estar algum tempo distante do paÃs que o viu nascer e ser artista? Gosta realmente da Itália? GD'A - Não. Estou em contacto todos os dias e vou lá com alguma frequência. Gosto de Itália, é um paÃs bonito. Gostos dos paÃses que têm as suas próprias belezas. Em Itália temos um património histórico, sem dúvida: várias gerações lá habitaram e edificaram o paÃs. Mas como todos os paÃses tem coisas boas e coisas más, mas não falemos disso, porque o melhor é falar sempre de coisas boas. VP - Além da falta de fé não acha que há muito negativismo na Sociedade? Além da fé o que urge, para si, implementar nas pessoas? Como transmitir um olhar de esperança? GD'A - Seria necessário que se fizesse um exame de consciência, que se abrisse um pouco o coração para ver o lado bom que o ser humano tem. Tenho presente uma imagem de Maio de 1998: uma mãe com uma criança deficiente. Estava sol e a mãe enxugava o rosto de suor do filho, na esplanada do Santuário de Fátima, perante uma multidão de pessoas e de doentes. Pensava na dor desta mãe e o amor pelo filho, no meio daquela maré de gente. Foi uma das imagens que ficou impressa na minha memória e nunca a esqueci. Foi um dos momentos em que me senti muito pequeno. Isto serve para nos fazer pensar... Diocese do Porto Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...