Entrevistas

À conversa com... Teresa Salgueiro

André Rubim Rangel
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O amor, quando é amor, é infinito

Perfil Maria Teresa Salgueiro nasceu na Amadora, a 8 de Janeiro de 1969. Aos 17 anos era a vocalista do grupo “Amenti”. «Teresa molda os versos que canta com a sua voz delicada e pura, plena de emoção. As palavras tornam-se leves apesar de carregadas de sentimento, ondulam no ar libertas pelo seu cantar suave e apaziguador. A voz sublime flui com naturalidade da sua figura pequena e frágil de mulher, dela emana um encanto natural que não passa despercebido, irradia uma paz que poucos conseguem transmitir, somente os seres iluminados que indicam caminhos. A uma figura como a de Teresa só poderia corresponder uma voz cristalina e límpida, pacificadora.» (do site www.madredeus-osonho.net). Teresa Salgueiro torna-se o ícone, a personagem principal dos MADREDEUS, sendo a primeira e única vocalista deste grupo. VP – Faz no próximo ano duas décadas de projecto inicial dos Madredeus. Surgiu com Pedro Ayres Magalhães e Rodrigo Leão, baixistas dos Heróis do Mar e dos Sétima Legião, respectivamente. Poderemos dizer que destas duas bandas foram, de certa forma, deixando de existir lentamente para dar lugar aos Madredeus? Teresa Salgueiro (TS) – Não diria exactamente isso, de maneira nenhuma. Acho que eram projectos que tinham os seus objectivos e que foram cumpridos e, aliás, os Sétima Legião ainda hoje existem. Agora, também sem dúvida que a dedicação dos músicos a esta ideia dos Madredeus, que foi bem recebida pela crítica, pelo público nacional e de outros países, permitiu-nos fazer esta longa viagem que dura até hoje, por muitas culturas diferentes. A dedicação tem sido grande. Em relação à presença deles nos outros grupos com certeza que limitou-os na disponibilidade. Mas não deixaram de ser o que eram para passarem a ser Madredeus. VP – Os elementos fundadores dos Madredeus, já com Gabriel Gomes, encontram a jovem Teresa, em 1986, a cantar fado num velho bar do Bairro Alto. Descobrem assim a voz que lhes faltava, a voz que o grupo viu projectada e que Portugal ganhou. Como foi esse momento de então? TS – Cantava fado à capela, mas nunca cantei em casas de fado nem com guitarras. Cantava com os meus amigos. Foi numa dessas noites em que saí, que fui cantar ao Bairro Alto e onde estavam esses músicos de que falou. Nessa altura uma amiga minha com quem andava sempre pediu-me para cantar e eu cantei. Depois vieram ter comigo e convidaram-me para uma audição, como já tinham feito com outras pessoas 2 anos antes, pois esse projecto já vem desde 1984. Já havia algumas canções compostas que serviam de teste nas audições, como “Cantiga do Campo”, “Deus” e “A Sombra”, que foram depois gravadas no disco “Dias da Madredeus”. Fiz então a audição e ficaram contentes com a minha voz. Convidaram-me portanto a ficar com eles e assim foi. Foi um momento especial para mim, porque nunca tinha tido nenhuma experiência do género. VP – Não resisto a perguntar se ainda continua, a título pessoal e não oficial, a cantar fado… Não sente saudade nem vontade de o voltar a fazer? TS – Eu nunca o cantei duma maneira muito séria, mas espontânea. Tive depois uma altura em que surgiu o mestre António Chaínho, gravei com ele 2 temas para um disco e participei em alguns dos seus concertos. Depois não voltou a acontecer. Tenho uma grande paixão e admiração pelo fado, pois acho que é uma música extraordinária, da minha cidade, pois tenho um grande amor por Lisboa. Ela tem uma música própria, que lhe é dedicada. Admiro muito os fadistas. É uma escola muito interessante, que é preciso vivê-la. Viver aquele mundo, aquele ambiente. Nunca mais cantei. Nunca perco de vista essa tradição. Continuo sim a ouvir e a aprender com os grandes fadistas. Não tenho, neste momento, ideia de o cantar em público. VP – Teve alguma formação musical específica para possuir uma bela voz? Qual é a educação e o tratamento que lhe dá para a manter sempre com esse encanto? TS – Nunca tive nenhuma formação específica a nível do canto, apenas tive umas aulas de música no Colégio e algumas aulas de piano. Sempre foi muito pouco e sem grande consequência. Na altura nunca tinha pensado que a minha vida viria a ser esta, de cantora. E cantava duma forma muito espontânea, cantava aquilo de que gostava e gosto de ouvir, desde música popular, ao Zeca Afonso e até mesmo ao fado. VP – E já com os Madredeus não sentiu uma maior exigência e necessidade de aperfeiçoar a técnica vocal, por exemplo? TS – O primeiro disco foi gravado duma forma muito simples, apenas com vontade de registar aqueles momentos tão especiais e inspiradores. Entretanto, na altura, através do Francisco Ribeiro, que era o violoncelista e que também cantava, tive um professor de canto, familiar dele. A partir daí tanto eu como o Francisco começamos a ter aulas de canto, com esse Maestro, que era também professor do Coro do Teatro de S. Carlos. Nos primeiros anos não tínhamos muitos concertos, fazíamos cerca de uns 10 ou 12 por ano. Tínhamos que ter muito cuidado com cada local onde íamos, para apresentar a nossa proposta musical, que era cuidada e diferente. Não cantava fado, mas sobre o fado. Era como quando cantava só fado, antes dos Madredeus, que, na altura, falar e cantar o fado era um pouco tabu. Felizmente que hoje em dia já não é assim. Vivemos uma cultura portuguesa diferente. Fomos bem recebidos, mas notamos que não havia uma grande tradição de ir aos concertos, pois havia o grande movimento do rock português, onde foi preciso criar toda uma estrutura, a nível de espaço, de vestiário e de filosofia. A ideia dos Madredeus também vem daí, de criar um grupo o mais versátil possível, em que exista o mínimo de coisas concêntricas, para que seja possível. Cada concerto que fazíamos era uma festa, porque era uma novidade para o público e esses primeiros anos foram, de facto, vividos em clima de festa, era uma celebração. Depois dos concertos, quando voltava a Lisboa, tinha mais aulas, duas ou três vezes por semana. Começamos a ter, entretanto, as primeiras tournées. Depois disso mudei, durante um ano, para uma professora Cristina de Castro, que leccionava no Conservatório de Lisboa. Interrompi mais tarde as aulas, com a grande tournée do “Espírito da Paz”, pois percebi que começava a ser complicado, tanto pelo tempo, como por aquela técnica vocal que aprendia e que, de certa forma, não podia aplicar e praticar. Só voltei a ter aulas há 2 anos atrás, com a professora Natália Viana, que entretanto faleceu. Por isso a minha formação não é muita, ou seja, acaba por ser um pouco esporádica e todas as bases que tive e aprendi foram claramente muito importantes. Ainda hoje gostava de voltar a ter um professor, para continuar a trabalhar. Para concluir: no fundo, a minha grande escola de canto são e têm sido as canções dos Madredeus. O que acho que é importante é o grande cuidado que tenho com a voz e que procuro cantar o mais natural possível, o canto não é nenhum esforço. VP – Vieram recentemente ao Porto para apresentar o vosso último trabalho, intitulado de “Um Amor Infinito”. Em que consiste este 13º álbum dos Madredeus? Qual a mensagem de fundo e o condimento necessário para que seja infinito todo o amor? TS – Quanto ao álbum, no que consiste não há como falar de música, aquilo que é ideal é ouvi-la. Depois disso é que se pode, cada um, tirar ilações, porque cada pessoa ouve e sente à sua maneira. E essa é a ideia. O álbum baseia-se na nova escrita dum novo concerto dos Madredeus, que se chama precisamente “Um Amor Infinito”. Contém também outras músicas, incluídas noutro disco (gravado ao mesmo tempo) e que são dedicadas a Lisboa. Foram compiladas a um outro disco. Este disco é uma forma de agradecimento a todo o público que nos têm esperado e têm ido ao nosso encontro. Este é o 5º grande concerto, a nível da criação do grupo no seu repertório. Isto torna-se o promotor do nosso quotidiano, da nossa própria vontade de continuar. Vivemos do público um grande amor para com o nosso trabalho e vivemos também o amor pelo nosso dia-a-dia, isto é uma grandeza enorme. Agradeço ao público, porque onde quer que vamos encontramos uma sala sempre cheia. Acho que o amor, quando é amor, é infinito. As condições para que o amor possa acontecer são, a meu ver, o respeito e a atenção pelo outro, com todas as suas referências e particularidades. Mais importante do que julgar os outros, aquele que está ao nosso lado, é olhar para nós mesmos e questionarmos de cada passo que damos e termos a vontade de nos aproximarmos do outro. É uma questão de consideração e respeito. VP – A Teresa, já por algumas vezes, actuou no Porto e sei que tem por ele um carinho especial… TS – O Porto, como se sabe, é a cidade onde nos estreamos. O 1º concerto foi no Teatro Carlos Alberto. Tenho do Porto as melhores recordações, de todos os concertos que nele tenho feito. Gosto muito, sinceramente, do coração da gente do Porto, é um público muito caloroso. É sempre com grande alegria quando vou cantar ao Porto, porque há uma comunhão muito grande. As pessoas são muito generosas e gostam muito de nós, como nós deles. E é uma cidade belíssima e cheia de tradições. Temos sempre saudades de voltar. Há-de ser sempre assim! VP – Desde cedo iniciaram a vossa carreira artística, dado que foram logo solicitados para vários concertos por todo o País. Presumo que, na altura, não tenha sido fácil conciliar tantos espectáculos com as gravações e restante agenda. Como gerem o vosso tempo? TS – Não é fácil. Também o calendário do grupo, mesmo em termo de viagens, já foi muito mais intenso do que é hoje. Mas não levamos uma vida de “madre-fada”. É uma questão de se ter sempre em vista aquilo que de bom esta vida tem, que acho que é uma forma de vida privilegiada, por fazer aquilo que tanto gosto – cantar – e por dar grande valor ao que conseguimos fazer até hoje, de levar a música portuguesa longe. O ganho está na satisfação e na realização pessoal. No tempo que sobra faz-se o melhor possível: estar com a família, porque o calendário também prevê isso. VP – Li numa conferência do Pedro que os Madredeus, no conceito original, se apresentam vocacionados para concertos em teatros, jardins, castelos e outros monumentos, ou até mesmo em praças públicas. Mantêm sempre este ideal? TS – Mantemos, basta observar. Mesmo no estrangeiro. São quase todas e sempre que possível ao ar livre. Lembro-me de 2 grandes espectáculos lá fora: um numa praça do México, com 80.000 pessoas – até hoje o mais numeroso – e outro num castelo na ex-Jugoslávia. Em geral, há muito bons teatros para este tipo de espectáculo. Mesmo em Portugal o grupo era vocacionado a isto, e continua a ser, numa altura em que havia pouco auditórios. O lugar para o qual nos convidam a actuar interessa ou não interessa, ou seja, respondemos favoravelmente dependendo das condições reunidas. VP – Olhando para vós mesmos, como sentem fazer a diferença perante os outros grupos portugueses? Ou seja, o que é que mais vos distingue na música portuguesa? TS – Eu não componho e não posso comparar o meu trabalho com o dos outros. Mas acho que o nosso é razoável. O nosso trabalho é este, tudo o que as pessoas conhecem. A nossa proposta é muito bem sucedida porque nos dedicamos absolutamente e com grande assiduidade e seriedade. Quanto ao estilo da música penso que o nosso é um estilo muito próprio, original e particular, que facilmente não se encontra. Mas não me cabe a mim dizer se a minha música é melhor ou pior do que outras músicas. Cada grupo tem o seu estilo próprio. TRÍMERO TEMÁTICO: VP – 162 praias portuguesas protegidas com Bandeira Azul... (in)suficientes? TS – São sempre insuficientes, apesar de serem muitas e é uma maravilha que assim seja. Se já houve mais e agora há menos não é bom. O ideal seria que todas as nossas praias tivessem Bandeira Azul. Mas acho que a suficiência não é aquilo que se procura, procura-se sim o ideal. VP – Bush ou Kerry: qual preferia e seria melhor vencer? TS – Para mim faz-me tanta impressão que tenha tanta importância para o mundo inteiro a presidência americana. Tenho pena que seja assim. Espero que se ultrapasse isto, que se relativize o interesse que ela suscita. Não se pode passar à frente de outras questões muito importantes, como são o desrespeito pelos Direitos Humanos em vários países africanos. Mas francamente não sei quem seria, de facto, o melhor para ganhar. O Sr. Kerry não conheço e quanto ao Sr. Bush não estou, de maneira nenhuma, de acordo com a política que ele faz. VP – Princesa Diana: morte acidental ou morte provocada... TS – Não sei de nada disso, é pura especulação. O que me faz muita confusão é que ela continue a vender tantas revistas, isto é, continua a ser muitas vezes capa de revistas. É uma personagem admirável, mas acho que, como fizeram ao longo da vida dela, continuam a abusar da sua figura, mesmo que por boas razões. Torna-se muito polémica e ela tentou virar a atenção que tinha sobre os media para chamar a atenção sobre certos problemas. Achei isso extraordinário. ASPECTOS DE ELEIÇÃO VP – Um tema... TS – A comunicação, que acho que é a coisa mais difícil entre as pessoas. É feita de palavras e, por vezes, é uma coisa rara conseguirmos dizer exactamente aquilo que queremos e termos a certeza de que aquilo que estamos a dizer é aquilo que os outros estão a ouvir. É muito importante que se procure isto. VP – Uma cultura... TS – Não escolho, porque tenho respeito e admiração por todas. Conheço tantas que seria injusto escolher uma. Para mim é muito difícil destacar preferências, porque sou o oposto disso. Mas já que insiste, refiro que uma cultura que me impressiona muito pela sua expressividade, pela sua riqueza, pela sua antiguidade é a cultura mexicana. E pela sua força e capacidade de sobrevivência. Cativa-me também pela sua diferença. VP – Uma paisagem... TS – A paisagem que me diz mais é o mar, o horizonte do mar. Escolho o Atlântico: um mar muito forte e com muita energia, com muitas ondas. VP – Um homem ilustre... TS – Há tantas pessoas de que vale a pena falar. Mas uma que me lembro assim à primeira é Mahatma Gandhi. Tinha uma capacidade e rectidão extraordinárias, com a sua cultura da não-violência, que lhe permitiu a libertação da Índia. Foi um feito notável. Entrevista de ANDRÉ RUBIM RANGEL in Voz Portucalense de 10 de Novembro de 2004


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