(Entrevista publicada no Jornal Voz Portucalense de 2 de Março)
VP – Apesar de estar afastado da vida activa da política, conta manifestar o seu apoio por um dos candidatos à presidência do seu partido e/ou às presidências das autarquias?
Roberto Carneiro (RC) – Estou, hoje, completamente afastado da vida política activa e não milito em qualquer partido político.
VP – Foi ministro do Prof. Cavaco Silva e o primeiro a cumprir um mandato até ao fim. Gostaria de vê-lo a ser Presidente da República ou considera que há outro(s) caminho(s)?
RC – Considero que o Prof. Cavaco Silva reúne todos os requisitos para ser um excelente candidato ao cargo de Presidente da República.
VP – Acha que continuaremos a viver uma turbulência política, de modo a que atrase o processo da Casa Pia, da qual lidera o Conselho Técnico e Científico? Entende que realmente se fará justiça no nosso país e que se descobrirá toda a verdade a curto prazo?
RC – Há duas coisas distintas. Uma diz respeito ao processo de reforma e refundação da Casa Pia de Lisboa que está ligado à revisão global do modelo de acolhimento e de ajuda a crianças destituídas de meio familiar adequado. Quanto a esta questão quero crer que a mudança de governo em nada afectará o sentido da urgência e a necessidade de se actuar sem tergiversações. Outra questão respeita o julgamento que decorre no Tribunal Criminal da Boa Hora. Quanto a isso, formulo apenas o seguinte voto de cidadão simples que sou: que a justiça seja célere, que os culpados sejam exemplarmente castigados, e que os inocentes sejam inequivocamente absolvidos.
VP – Certamente que uma área que o envolve e o preocupa mais é a do Ensino, por estar inerente a ela. Que estruturas e medidas faria ou retomava se voltasse ao Ministério da Educação, para reparar o “motor em crise”?
RC – Se tivesse de escolher uma única medida estrutural ela consistiria na radical descentralização da máquina educacional do país. Devolver às comunidades de base e à iniciativa social a responsabilidade pela gestão efectiva das escolas reservando para o Ministério da Educação funções de regulação, de inspecção, de avaliação, de planeamento da rede escolar, e de financiamento do sistema em regime de solidariedade (salvaguardando o direito constitucional à educação por parte das populações mais vulneráveis).
VP – Antes de se motivar os alunos é preciso motivar e saber motivar os professores, certo? Acha que o insucesso dos alunos, a má educação, a falta de assiduidade, a desatenção e desinteresse se deve apenas ao problema motivacional?
RC – Acho que tudo isso se deve a uma “falha” generalizada das instâncias educativas de base entre as quais se conta, em primeiro plano, a família. A gradual desagregação da instituição familiar e, muitas vezes, a sua demissão do papel de educador fundamental vêm provocando uma crise generalizada de valores a que uma escola burocrática e desmotivada não consegue, por seu turno, responder. O clima de “facilitismo” começa em casa e prolonga-se pelo sistema escolar adentro. Por isso, a crise verdadeira, antes de ser educativa, é moral e ética. Temos de restituir o sentido dos valores fundamentais ao processo educativo das novas gerações.
VP – Apresentou recentemente o projecto “Escola Virtual”. Quer referir-nos em que consiste este projecto e o que nos traz de novo?
RC – Trata-se de uma iniciativa privada de uma grande editora nacional que pretende proporcionar novas oportunidades de aprofundamento de conhecimentos e de estudo autónomo, através da internet, em benefício dos alunos dos ensinos básico e secundário. O portal em apreço visa disponibilizar conteúdos multimédia atractivos e permanentemente actualizados para complementar os restantes materiais didácticos que estão normalmente ao alcance dos alunos.
VP – Sendo este projecto um incentivo e uma vanguarda para o requerimento de mais valias e métodos pedagógicos dos professores, será ele suficiente e eficiente a nível das novas tecnologias da informação e comunicação?
RC – O projecto está ainda em fase de lançamento. Precisamos, em Portugal, de iniciativas deste género para estimular novas formas de aprender que não se confinem ao “aprender ensinado”, modelo que constitui o método escolar clássico. Estou certo de que a maioria dos nossos professores está consciente da necessidade de evoluir para novas práticas pedagógicas em que o recurso às potencialidades imensas das TIC os libertará de tarefas instrutivas rotineiras para os concentrar em torno de objectivos educativos mais nobres e amplos.
VP – Como Docente na Universidade Católica Portuguesa, quais são os principais e importantes conteúdos das cadeiras que lecciona na Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais?
RC – Lecciono hoje regularmente a Gestão do Conhecimento e a Aprendizagem Organizacional. Uma e outra representam uma evolução importante da Sociedade da Informação para a Sociedade do Conhecimento e consagram o princípio de que as organizações também têm de aprender para se manterem “vivas” e adaptarem-se de acordo com as necessidades da sociedade, em geral.
VP – É agora o novo Director do Observatório da Inovação e Conhecimento. Que contributos, directrizes e valências presta esta Agência à Sociedade? Quais são as grandes (ou pequenas) medidas que pensa já implementar?
RC – O Observatório da Sociedade da Informação e do Conhecimento responsabiliza-se, em articulação com o INE, pela realização de grandes operações de inquérito à utilização das TIC em Portugal: Famílias e População, Empresas, Administração Pública Central e Local, Hospitais, Estabelecimentos Hoteleiros, etc. Essa intensa actividade de observação e de interpretação permite ao país dispor hoje de “métricas” regularmente actualizadas sobre o estado da Sociedade da Informação em Portugal. Complementarmente, o Observatório investiga as dinâmicas de Inovação e de Conhecimento que ocorrem no seio das empresas, universidades ou organizações do sector público, desenvolvendo indicadores apropriados para acompanhar a marcha dos factores de produção “intangíveis” no nosso país.
VP – Visto que é Engenheiro Químico, como analisa a evolução e necessidade deste ramo e de todos os outros provenientes da Engenharia? Não haverá já ramos a mais? Há condições satisfatórias em Portugal?
RC – As últimas décadas caracterizaram-se por uma verdadeira “explosão” do ensino superior português. Passámos em 35 anos de 40 mil para 400 mil alunos.
Em muitas vertentes, verificou-se um crescimento anárquico e injustificado de cursos, escolas, pólos e especialidades. Temos de racionalizar a rede do ensino superior e combater a excessiva especialização que acarreta enorme desperdício de recursos públicos e “afunila” a formação superior. Sem dúvida que o ensino da Engenharia enferma de muitos desses erros os quais carecem de urgente correcção.
VP – Foi há uns anos Director-Geral da estação privada TVI. Foi um desafio difícil de moldar? Esta cadeia televisiva está muito longe do que sempre quis e do que gostaria que fosse para o País?
RC – Foi uma actividade intensíssima e de elevado desgaste. Não é fácil compatibilizar as regras de mercado, que postulam a viabilidade financeira da televisão privada com base nas audimetrias e na publicidade que as segue, com uma programação assente em valores de humanismo cristão e numa aposta de serviço público de qualidade. Não resta qualquer dúvida que a TVI evoluiu para a uma sujeição exclusiva às regras de mercado e ao imperativo das audiências.
VP – Não podemos deixar de referir que constitui um exemplo de Família cristã notável em Portugal, pois actualmente é difícil encontrar pais com 9 filhos e profundamente católicos. Que testemunho, ensinamento e educação dá aos seus e aos que o rodeiam?
RC – A educação cristã toma por fundamento a liberdade responsável como atributo da dignidade inviolável da pessoa humana. A família, como igreja doméstica, é uma comunidade de afectos onde se aprende a prioridade do outro, o valor do perdão, e a fidelidade ao contrato matrimonial. Num tempo de alta caducidade dos compromissos, em que tudo surge como “descartável”, a família é um pilar da continuidade social e da estabilidade espiritual da nação.
Trímero Temático:
VP – Referendo da Nova Constituição Europeia...
RC – Temos de o fazer, e rapidamente. Algum dia teria de ser – o povo português deverá ser chamado, em referendo universal, a dizer se quer ou não a Europa. E espero que vote SIM. Não há hoje quadro de viabilidade nacional fora de uma participação activa no seio da União Europeia.
VP – Referendo contra o aborto vs. direito à vida e à liberdade...
RC – O valor da vida é um princípio basilar de civilização e de humanidade. No caso de conflito de direitos – direito da mulher a dispor do seu corpo e direito da criança a nascer – não tenho a mínima dúvida de que prevalece o interesse do ser mais frágil: o nascituro. Claro que a criminalização da mulher que aborta e a sua condenação a pena de prisão é matéria muito controvertida. A lei actual procura já os equilíbrios possíveis e, sobretudo, a prática jurisdicional tem-se revelado sábia. Não vejo, por isso, necessidade de se alterar a moldura legal. Se, por determinação dos órgãos de soberania, se entender oportuno fazer novo referendo, deveremos aceitá-lo sem temor. Os cristãos não têm medo do funcionamento das instituições democráticas. O povo português demonstrou já capacidade de mobilizar vitoriosamente a recta consciência nacional, em referendo anterior, e não deixará de o fazer de novo se houver tal necessidade.
VP – Economia portuguesa: Degradação? Retoma? Rentabilidade?...
RC – Vivemos um tempo de grande degradação económica – desemprego, baixa produtividade, falências, falta de investimento, défice de inovação e empreendorismo, quebra de confiança dos agentes económicos. Todavia, já vencemos crises piores. O país está hoje preparado para reagir. Estou certo de que, se for feita a pedagogia correcta por parte das entidades responsáveis, os Portugueses responderão com determinação e saberão vencer a crise. Portugal pode voltar a ser uma economia forte no concerto da Europa e do Mundo.
Aspectos de Eleição
VP – Uma Didáctica...
RC – A didáctica do esforço, do rigor, da disciplina, e da responsabilidade.
VP – Um Educador...
RC – Aurélio da Costa Ferreira, notável pedagogo português, que já há um século atrás defendia que as crianças mais desfavorecidas e desmunidas de meio familiar adequado não deveriam permanecer em internato. Antes, dizia ele, as crianças deverão ser postas “em contacto com a vida, fonte de experiência”.
VP – Uma medida educativa...
RC – Rever, de alto a baixo, o sistema de formação inicial e contínua dos professores enquanto se promove, concomitantemente, a descentralização total da gestão dos estabelecimentos educativos.
VP – Uma medida económica...
RC – Desburocratizar radicalmente o processo de criação de empresas para que a demografia de empresas em Portugal (natalidade e mortalidade) possa adquirir uma dinâmica compatível com a competitividade global.
Entrevista realizada por
ANDRÉ RUBIM RANGEL
rangel@aeiou.pt