Entrevistas

A Eucaristia, dom de Deus e resposta para toda a humanidade

Agência Zenit
...

Entrevista com o cardeal Josef Tomko

O cardeal eslovaco Josef Tomko é um dos mais próximos colaboradores do Papa João Paulo II, que o nomeou seu representante no 48.º Congresso Eucarístico Internacional. Está desde a passada terça-feira em Guadalajara, cidade mexicana que aceitou organizar este evento, que começa hoje, para presidir os actos do Simpósio Teológico e Pastoral preparatório desta semana de reflexão sobre a celebração e vivência da Eucaristia. Nesta entrevista concedida à Agência Zenit, o cardeal Tomko, presidente do Comité Pontifício para os Congressos Eucarísticos Internacionais, explica o significado e objectivos do Ano da Eucaristia convocado pelo Santo Padre, e também tece comentários sobre o comportamento político de personalidades públicas que se declaram católicas. Zenit - Qual é o sentido das iniciativas organizadas esta semana e durante o Ano da Eucaristia? Cardeal Josef Tomko - O significado e objectivo das três iniciativas — simpósio, congresso e Síno-do dos Bispos, em Outubro de 2005 — é o aprofundamento e reforço da fé em Deus encarnado em Jesus Cristo. Só quem crê na divindade de Cristo pode crer na Eucaristia. Quem reforça a sua fé na Eucaristia, presença, sacrifício e memorial de Jesus Cristo, aprofunda também a sua fé na divindade de Cristo e na sua encarnação. A Eucaristia é, portanto, o “laboratório” para a fé, aquilo de que têm necessidade sobretudo certas regiões do Ocidente que se encontram sob a pressão de uma “silenciosa apostasia”. Além disso, a Eucaristia conserva desde as suas origens também um aspecto social que na primitiva Igreja se manifestou nas formas do ágape e da partilha dos bens, actual em várias formas ainda hoje, porque a Eucaristia cria a fraternidade, a solidariedade, a comunhão, ambiente de paz, de reconciliação, de justiça e de amor. O mundo desenvolvido padece de uma acentuada decadência, inverno demográfico, cultura anti-vida, tentações eugénicas e secularização. Zenit Como poderá a reflexão sobre a Eucaristia dar respostas às necessidades da humanidade e contrariar o difundido niilismo? JT - Antes de falar dos aspectos negativos de algumas “civilizações”, que não são muito civis em muitos aspectos, refiro algumas contribuições positivas ligadas à Eucaristia, sobretudo nas Igrejas jovens. As alegres celebrações africanas são, de facto, também eventos ricos de fraternidade e de solidariedade que unem tribos e etnias. Além disso não falta a profundidade de percepção da Eucaristia como sacrifício, visto que eles conhecem o sacrifício ritual. A liturgia eucarística é também o lugar de inculturação, como por exemplo o rito índio do “arathi” após a consagração, as danças sagradas de adoração, etc. No que diz respeito à decadência de certas “culturas” ou até “civilizações”, sobretudo no campo dos valores fundamentais da vida humana e do amor, basta recordar que a Eucaristia é o «pão da vida» e dom de Jesus Cristo «para a vida do mundo», fonte na qual se purifica e eleva o amor humano. Na Eucaristia é adorado o Homem-Deus, mas ao mesmo tempo aumenta o sentido da dignidade e fraternidade do homem. E que dizer da grande dignidade e alegria com que tantos pobres participam na Eucaristia, onde não há divisões de classe, de raça, de riqueza. Isto concretiza-se também nos Congressos internacionais, quando as famílias locais acolhem os participantes que provêm de outros países ou continentes. Em tais celebrações eucarísticas cresce visivelmente uma nova humanidade e uma nova civilização, a do amor. Uma certa cultura secularizada, “politicamente correcta”, debilitou a prática dos sacramentos, sobretudo no que se refere à confissão antes de participar na Eucaristia. É verdade que quando há confessionários abertos as pessoas fazem fila para confessar-se, mas também é verdade que é prática difundida a de autoabsolver-se. Zenit - Qual é a sua opinião a respeito disto? JT - Também hoje é certamente válida a severa advertência de São Paulo: «todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Portanto, cada um examine-se a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a próprio condenação» (1 Cor 11, 27-29). E o Catecismo da Igreja Católica especifica: «Aquele que tem consciência dum pecado grave deve receber o sacramento da Reconciliação, antes de se aproximar da Comunhão» (n.º 1385). Zenit - A Eucaristia é o coração da Igreja e da vida dos cristãos, e o sacrifício de Cristo vale para toda a humanidade. Que argumentação utilizaria para explicar aos crentes que não praticam, aos fiéis de outras religiões e também aos não crentes, as razões da nossa fé? JT - A fé é um dom de Deus. A argumentação sobre a Eucaristia já nos tempos de Jesus pareceu uma “linguagem dura”. Requer, pelo menos, boa vontade e que não seja rejeitada “a priori”. Mas trata-se também de uma argumentação extremamente gratificante, profunda e bela. Revela o imenso amor de Deus e de Jesus Cristo pela humanidade; se se compreende que a Eucaristia é o dom de Deus à humanidade e «para a vida do mundo», para os crentes e para os não crentes, isto faz intuir a grandeza do coração de Deus. Por outro lado, a Eucaristia revela a inventiva de Jesus Cristo que quis entrar em comunhão íntima com quem o recebe e tornar-se «pão» para nosso alimento, mas também oferecer-se num sacrifício que representa de maneira incruenta o único sacrifício cruento da Cruz por toda a humanidade. Quando se lê a história da instituição da Eucaristia no Cenáculo poucas horas antes da morte redentora de Cristo na Cruz, a verdade sobre a Eucaristia aparece simples como o raio de luz que penetra o cristal por um lado e pelo outro sai com um prisma formado por várias cores. É o maior dom de Jesus, que «amou os seus até não poder mais». Obviamente, com um não crente começaria antes pela argumentação fundamental de Deus, de Jesus Cristo, por exemplo, através de uma aproximação do relato evangélico sobre a Ressurreição. Com um agnóstico que ignora e evita qualquer argumentação sobre Deus, há que desbravar o terreno da explícita ou implícita soberba auto-suficiente e auto-salvífica de um certo humanismo niilista moderno e mostrar-lhe os valores da Eucaristia para a grandeza do homem aos olhos de Deus. Precisamente, este agnosticismo que hoje se difunde no Ocidente necessita do «suplemento de alma» que lhe dá o sentido da existência e da beleza de Deus contra o vazio, o egoísmo que destrói o próximo mas também o próprio, contra a falta de perspectiva e de esperança existencial. Creio que o testemunho dos crentes nos Congressos eucarísticos, nas celebrações, na adoração silenciosa das nossas igrejas, é também um argumento para quem hoje não crê ou não crê suficientemente na Eucaristia. Tal testemunho, de resto, ajuda também o próprio crente: «a fé reforça-se dando-a», escreveu uma vez o Papa João Paulo II. Tradução: José Miguel Pereira, Diário do Minho


Congresso Eucarístico Internacional