À conversa com... João César das Neves, professor na Universidade Católica, escritor e comentador na Rádio Renascença
A família e a paróquia são os dois meios mais eficazes para o combate à pobreza
João César das Neves, nascido em 1957, casado e pai de quatro filhos, é professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa. Doutorado e licenciado em Economia pela UCP, mestre em Economia pela Universidade Nova de Lisboa e mestre em Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas pela Universidade Técnica de Lisboa. Foi, de 1991 a 1995, assessor económico do Primeiro-ministro, em 1990 assessor do Ministro das Finanças e de 1990/1991 e 1995/1997 técnico do Banco de Portugal. Autor de vários livros e múltiplos trabalhos científicos, é também colaborador regular na imprensa.
VP – Igreja vs. Estado… Quais são as principais concordâncias? E as principais divergências?
João César das Neves (JCN) – São dois elementos centrais da vida humana. A Igreja porque nos salva a alma, o Estado porque Jesus pediu ao Pai, não que nos tirasse do mundo mas que nos livrasse do mal. O diálogo entre ambos é, portanto, crucial para uma vida equilibrada. O pior de tudo é quando querem fazer o trabalho um do outro.
VP – Falar hoje da Economia de Deus tem a mesma perspectiva e mesma significância de quando surgiu este conceito e/ou esta temática?
JCN – Deus é o mesmo. A Economia é que já não. Mas aquilo para que Deus nos chama na economia mantém-se no essencial na mesma. Pelo menos enquanto os camelos e as agulhas não mudarem de tamanho...
VP – À luz de toda a sua sabedoria como responde ao aumento desenfreado de preços sem a correspondente actualização dos salários dos trabalhadores e a consequente queda generalizada do poder de compra?
JCN – A evolução relativa dos preços e salários está hoje muito mais alinhada do que esteve. Desde que entrámos no Euro deixámos de ter problemas de inflação. A queda do poder de compra não vem hoje, portanto, do aumento dos preços (na Europa do euro a inflação é quase igual em toda a parte) mas da recessão e do desperdício. Hoje são factores reais, e não monetários, que afectam a vida das pessoas.
VP – Foi assessor económico do Prof. Cavaco Silva, quando este era Primeiro-ministro de Portugal. Já lá vai pouco mais duma década. Considerando que a economia nacional estava muito bem na altura, comparada com a da agora, acha que podemos retomar e voltar a ter essa estabilidade? Ou não se pode mesmo comparar?
JCN – Claro que podemos retomar essa estabilidade. Acho que é difícil voltar a ter governantes como o Professor Cavaco Silva, que só aparecem raramente na História de um país. Mas o essencial para a estabilidade, felizmente, não tem tanto a ver com os políticos, mas com o país. O principal problema da situação actual em Portugal é que o povo na altura sabia que a vida era difícil e exigia trabalho, mas hoje está convencido que se pode ter vida fácil.
VP – Como analisa e entende os chamados “créditos imediatos”? Não serão estas empresas financeiras privadas causadoras deste endividamento abrupto da generalidade dos portugueses?
JCN – O problema não é os créditos serem imediatos, mas as pessoas perceberem que, tal como os outros, os têm de pagar. O crédito imediato é uma coisa excelente, se as pessoas os souberem usar (a burocracia bancária anterior, que entupia o crédito, era um enorme custo para o país). Eles não podem ser a causa do endividamento porque, felizmente, não são obrigatórios. A causa do endividamento é, como disse antes, o povo estar convencido que pode ter vida fácil.
VP – Normalmente ouve-se dizer que, para além do futebol, não se deve discutir política nem religião. Ora, apesar dos gostos e ideologias, serem relativas, não quer dizer que não nos possamos exprimir, certo? Ou a liberdade religioso e o fundamento político estão, de facto, muito condicionados e exacerbados?
JCN – A razão porque não é prudente suscitar essas conversas num grupo de amigos é que as paixões podem fazer azedar a conversa. É assim com todas as coisas importantes em que nós discordamos. Mas uma cultura e atitude de respeito e amizade permite excelentes discussões religiosas ou políticas. E como são coisas essenciais à nossa vida, essas conversas são, não apenas úteis, mas necessárias.
VP – Há um tema muito triste entre nós, mas é uma realidade mundial: a pobreza. Há várias situações de pobreza, devido a falta de recursos e rendimentos, como também a exclusão, a solidão e o desemprego. Como combater e erradicar a pobreza?
JCN – A pobreza é um inimigo que sempre teremos de combater, mas que volta sempre em novas formas. Nunca se erradica a pobreza. É como a doença ou a violência. Felizmente, Portugal avançou muito no combate à «velha pobreza», aquela miséria que dominava as aldeias. Em grande medida erradicámos essa pobreza. Mas apareceram novos tipos de pobreza, mais complexos e exigentes, ligados à droga, à imigração, à discriminação. A solução é todos nós, cada um na sua vida, assumir a pobreza como algo que tem o dever de combater. Não é função do Estado, embora ele possa ajudar, mas da sociedade. A família e a paróquia são os dois instrumentos mais eficazes (ultimamente muito descurados) para o combate à pobreza
VP – E alguns dos números são assustadores, um descalabro total, ou seja: 40% da população mundial vive com 2 dólares ou menos; 2.500 milhões de pessoas vivem em pobreza total; 900.000 crianças morrem por mês, o que equivale a 1.200 por hora – corresponde a 3 “tsunamis”. Que comentários tece a estes números reais da ONU?
JCN – Penso que esses números são verdadeiros (aliás nem todos os números que cita são verdadeiros: percentagem de pessoas com menos de 2 dólares por dia está hoje mais próxima dos 20% do que 40%), mas só parcialmente. E são publicados para assustar. A pobreza no mundo foi reduzida extraordinariamente nos últimos vinte anos. O desenvolvimento da Índia e da China constituem a maior redução da pobreza de que há memória no planeta. Ninguém tem noção disso e, pelo contrário, é assustada com números desses Penso que só se pode olhar para o que falta ainda fazer se tivermos consciência do muito que se conseguiu. Há muita pobreza no mundo, mas ela nunca se reduziu tanto como no nosso tempo.
VP – Estamos à porta e no início de mais um ano escolar, com novas medidas educativas. Podemos dizer que ultimamente, como em outras áreas, estão a surgir constantemente medidas, que outrora já tinham sido pensadas e apresentadas, mas que depois ficaram na gaveta, devido às mudanças consecutivas de Governos?
JCN – O problema essencial da educação é que ela está controlada pelo Estado, e o Estado, neste sector, está controlado pelos professores. Assim, as medidas são tomadas mais por causa da colocação, a promoção e a carreira do que por causa do interesse dos alunos. Por isso não pode correr bem.
TRÍMERO TEMÁTICO
VP – Oposição do PSD e PP à renovação de licenças de televisão pela AACS...
JCN – São jogadas de bastidores feitas com interesses sócio-económicos (por parte de todas as forças políticas) que escapam a nós, cidadãos comuns. Não sei se têm razão em opôr-se ou apoiar. O que se ouve dizer sobre isso pouco ou nada tem a ver com a real negociação, que se faz em segredo.
VP – Aumento relevante do tráfego dos sites Investec em Agosto...
JCN – Há quem se interesse por isso...
VP – Investimento de €420.000,00 da Super Bock para comunicar 28ª medalha de ouro...
JCN – Os bebedores de cerveja devem levar as medalhas a sério.
ASPECTOS DE ELEIÇÃO
VP – Uma economia...
JCN – A portuguesa.
VP – Um(a) economista...
JCN – S. Tomás de Aquino.
VP – Uma moeda mundial...
JCN – O dólar é a única moeda verdadeiramente mundial.
VP – Um livro seu...
JCN – O próximo.
(In Voz Portucalense)