Entrevista a Monsenhor Luciano Guerra, Reitor do Santuário de Fátima, à «Voz Portucalense»
A Voz Portucalense, após as grandes Peregrinações Internacionais Aniversárias deste ano à Cova da Iria e depois de serenadas as pretensas «polémicas» em torno da continuidade de Mons. Luciano Guerra como Reitor do Santuário de Fátima, publica uma entrevista onde Mons. Guerra responde a algumas questões sobre o futuro de Fátima, a sua orgânica interna e a projecção da mensagem de Fátima no mundo. Voz Portucalense - Mons. Luciano Guerra é, há mais de 30 anos, o reitor do Santuário de Fátima. Fazendo uma retrospectiva, como poderá resumir este tempo de serviço no maior santuário mariano de Portugal e um dos maiores do Mundo?
Mons. Luciano Guerra - Um tempo feliz, porque pude realizar a minha vocação sacerdotal ao serviço de pessoas que neste lugar manifestam as melhores disposições, e em conjunto com vários grupos de colaboradores, mesmo os assalariados, que acreditam ser úteis aos peregrinos e agradáveis a Nossa Senhora.
VP - Durante o múnus de Mons. Luciano Guerra, Fátima recebeu a visita por três vezes, do Papa João Paulo II, assistiu-se à divulgação da 3.ª parte do “Segredo de Fátima”, dois videntes foram beatificados. Como viveu estes momentos?
MLG - Vivi todos estes acontecimentos com alegria e na maior serenidade. Sou avesso a entusiasmos, e graças a Deus também não tenho sofrido de depressão. Gosto do dia a dia, saboreio os momentos mais raros, mas relativizo o suficiente o tempo presente, já que o definitivo está para além desta vida.
VP - Já decorrem as obras de construção da nova igreja do Santuário. Será esta a última grande obra de arquitectura de Mons. Luciano Guerra, como reitor?
MLG - Última grande obra será com certeza, até porque não teria nem plano, nem energias, nem tempo para outra qualquer que se lhe assemelhasse, mesmo de longe. Mas há pequenas coisas que gostaria entretanto de completar, como a queima das velas nos tocheiros atrás da Capelinha, que não tem suficiente dignidade.
VP - Como é do seu conhecimento, existem algumas vozes que discordam da construção da Igreja da Santíssima Trindade. Pensa que poderia ter seguido outra alternativa?
MLG - Quanto ao projecto, com certeza. Quanto à decisão, o único caminho minimamente aceitável teria sido construirmos uma igreja mais pequena, com a parte da frente do actual projecto, com capacidade para três mil lugares, que irá funcionar mais vezes e que classificámos de necessária. Pareceu-nos porém “vantajoso” ou “útil” alargar essa capacidade, e foi o que fizemos.
VP - Para além dos edifícios e templos, a reitoria do Santuário tem um amplo sistema pastoral, com vários serviços e funções. Muitas pessoas desconhecem a estrutura interna do Santuário. Poderia falar-nos um pouco do funcionamento interno do santuário? Quais as suas apostas e preocupações pastorais, no presente?
MLG - Para receber mais de quatro milhões de peregrinos por ano, o Santuário teve que estruturar-se em vários departamentos ou serviços que tratassem dos vários campos de actividade, ou seja, para além da reitoria, a construção e o ambiente físico, os alojamentos, os movimento de apostolado de Fátima, a gestão económica, a preservação do ambiente, a pastoral litúrgica, as peregrinações organizadas, os estudos e difusão da mensagem e a pastoral dos doentes. No total, temos cerca de 200 trabalhadores assalariados e mais de 500 colaboradores voluntários.
A minha maior preocupação pastoral é o acolhimento de quantos vêm ao santuário, como peregrinos ou como visitantes. O nosso desejo é sermos dignos da intenção que Deus mantém ainda hoje quanto a este lugar, como fonte de graça.
VP - Que futuro antevê para o Santuário de Fátima? Qual será a sua relação com uma cidade e uma nova sociedade que cresce à sua volta?
MLG - O futuro a Deus pertence. Mas penso que o futuro de Fátima será semelhante ao de outros lugares sagrados do catolicismo, como Roma, Santiago e Lourdes. A relação com a cidade à volta é uma tarefa que se vai construindo dia-a-dia, às vezes com facilidade, outras com dificuldade. Até ao momento sempre em paz, graças a Deus, e à presença da Mensagem de Fátima.
VP - A mensagem de Fátima é deveras conhecida a nível internacional. O santuário edita um boletim, em sete línguas, para ser o elo de ligação entre as várias organizações e instituições dedicadas a Nossa senhora de Fátima. Pode falar-nos deste projecto e de outros que prevejam a divulgação da mensagem, de Fátima?
MLG - A divulgação da Mensagem de Fátima, tanto dentro como fora do país, é um acontecimento que desde o início tem um carácter mais espontâneo que organizado. Sem qualquer interferência ou direcção do Santuário, surgiram associações e movimentos, e meios de comunicação, que levaram as aparições e a mensagem para toda a parte. Ainda hoje nos intriga a quantidade e qualidade das iniciativas que chegam frequentemente de muitos lados. O Santuário não tem, nem tem pretendido ter, estrutura para responder, quanto mais promover, tal difusão. Interessamo-nos, procuramos acompanhar, mas seríamos incapazes, até pela curta dimensão das nossas “asas” de chegar ao mundo todo.
VP - Cada vez mais, Fátima afirma-se como um verdadeiro centro pastoral para a Igreja em Portugal. Como vê a multiplicidade de encontros, cursos e reuniões que decorrem na Cova da Iria?
MLG - Vejo estes encontros como mais um sinal importante que Deus quis destinar a este santuário. A centralidade geográfica, de iniciativa divina, é importante, mas tenho para mim que a razão da centralidade pastoral e espiritual de Fátima está noutra fonte. E é minha convicção que a Igreja da Santíssima Trindade irá alargar ainda mais este papel.
VP - Monsenhor Luciano Guerra, na sua opinião como caracteriza um peregrino português e um peregrino estrangeiro, em Fátima?
MLG -Para ser preciso, tinha que arranjar entre os estrangeiros quase tantas categorias como países de origem. Talvez, entretanto, possa dizer em geral que o peregrino depende muito de quem o conduz (o que acontece em todos os grupos). No fundo, o português é simples na sua fé, e é fervoroso, tanto a rezar como a cantar, o que encanta muitos peregrinos estrangeiros, sobretudo nórdicos.
O peregrino estrangeiro traz um programa mais misto de peregrinação e turismo, o que se compreende dadas as distâncias para chegar cá. Para uns e outros seria conveniente que os seminários preparassem os futuros padres para a realidade da peregrinação, que muitas vezes fica privada, ou quase, de espiritualidade, por falta de animação.
VP - A Igreja Portucalense é das dioceses portuguesas uma das que mais peregrina a Fátima e que mais amor nutre por Nossa Senhora. Que mensagem deixa aos fiéis da Diocese do Porto e aos leitores da Voz Portucalense.
MLG - Que outra mensagem posso deixar senão que progridam no bem e evitem o mal?
Notas biográficas
Mons. Luciano Gomes Paulo Guerra, é filho de Joaquim Paulo Guerra e de Maria do Rosário Gomes Louro, Luciano Gomes Paulo Guerra. Nasceu no lugar de Calvaria de Cima, freguesia de Calvaria, concelho de Porto de Mós, no dia 31 de Agosto de 1932.
Depois de cursar Humanidades e Filosofia, no Seminário Diocesano de Leiria, continuou os estudos eclesiásticos na Universidade Gregoriana de Roma, de 1952 a 1958. Licenciado em Filosofia, veio a concluir o curso de Teologia em Salamanca, no ano de 1959.
Foi ordenado, na Sé de Leiria, a 21 de Setembro de 1957.
De 1959 a 1961 exerceu as funções de capelão do Santuário de Fátima e Director da Pia União dos Servitas.
Foi Director do Externato Dr. Afonso Lopes Vieira, da Marinha Grande, de 1961 a 1964.
De 1964 a 1968 trabalhou em várias paróquias de Paris. Fez o currículo para a láurea, em Filosofia, no Instituto Católico da mesma cidade. Regressou a Portugal para retomar o cargo de Director do Externato Dr. Afonso Lopes Vieira, de 1968 a 1973.
É Reitor do Santuário de Fátima desde 13 de Fevereiro de 1973, onde desempenha também as funções de Presidente do Serviço de Ambiente e Construções (SEAC) e de Director do jornal «Voz da Fátima» e do boletim internacional "Fátima Luz e Paz".
Entrevista de Sérgio Carvalho