Entrevistas

A profecia dos Dominicanos para um mundo em conflito

Agência Zenit
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Pe. Carlos Azpiroz, mestre-geral da Ordem

Segundo o mestre-geral da Ordem dos Pregadores (Dominicanos), a Igreja lança nestes momentos gritos proféticos que respondem a uma concepção da realidade iluminada pela Palavra de Deus e a uma leitura desta Palavra tomando-lhe o pulso ao tempo atual. «Gritos pedindo paz, fidelidade, verdade, profundidade», afirma o padre Carlos Azpiroz, argentino, nestas passagens da entrevista concedida à agência Veritas. Agência Veritas - Em que situação se encontra a Ordem dos Pregadores? Como está se adaptando aos novos tempos uma ordem tão antiga? Carlos Azpiroz - Às vezes, as árvores que têm raízes profundas são mais flexíveis; há árvores que têm raízes superficiais e um vento as tira. Não é um ato de presunção: o Senhor nos deu o que temos. É verdade, somos uma ordem antiga, com oito séculos de história. O panorama vocacional é muito grande: aproximadamente somos cerca de 6.500 freis no mundo, que temos que cuidar e fazer crescer até a morte, porque nossos votos duram até a morte. Quanto aos jovens que entram na ordem, o mapa é muito polivalente. Agora há vocações em lugares onde antes não havia, como é o caso de França, Peru e Austrália, onde temos quatro ao ano. Em outros países como Filipinas, Vietname, Colômbia ou Polónia, temos noviciados bastante numerosos. É uma realidade muito variada, um mistério, mas a estatística não expressa mais fidelidade ou realidades profundas e Deus se fixa no profundo e não nas aparências. No Evangelho aparecem três ressurreições de pessoas que voltam a sua vida anterior. Mas a ressurreição na qual cremos é a de Jesus. No panorama vocacional, na Espanha, uma ressurreição não significa voltar a ter os conventos cheios de frades que tínhamos nos anos 40. Talvez o que se vai querer é algo novo. Talvez esperamos uma verdadeira ressurreição: uma vida mais simples, mais fiel, mais profética e não necessariamente encher os conventos. Os conventos estão meio vazios, mas a realidade eclesiástica é mais rica hoje, como mostra, por exemplo, a vitalidade dos movimentos. Quanto aos Dominicanos, hoje somos mais vigentes que nunca, mas também há muitas outras realidades. Vivemos em meio da Igreja e em meio de realidades muito ricas e belas. Nós temos presença em lugares como no Cairo, com uma biblioteca especializada em teologia muçulmana ou do islã. Talvez nunca tenhamos ali uma vocação. Os freis os ajudam a fazer suas teses. Mas não por isso vamos dizer que não somos fecundos. A fecundidade do espírito é diferente. Uma empresa renuncia a um país se não vende o suficiente, nós não estamos nisso. Com a adaptação aos tempos atuais tem muito que ver nosso sistema de governo: o sistema capitular, a rotação de funções, etc, fazem que a ordem tenha certa versatilidade. Acabamos de encerrar um capítulo-geral na Polônia. Representantes das províncias de todo o mundo se reuniram para ver o que está passando, para tomar o pulso da história, e isso rejuvenesce muito. Deus fala através dos sinais dos tempos. A Ordem dos Pregadores é uma ordem florescente, com vocações e entusiasmo. Estamos presentes ali onde há dor, como no Iraque, através de freis e irmãs, que estão sofrendo muito, mas também há que pregar ali com a palavra e com a dor. Às vezes, o sinal de estar em meio da guerra já é pregar, como fez nosso fundador, São Domingo de Guzmão, ou Francisco de Victoria no século XVI, ao perguntar sobre a dignidade dos índios. Interessa a realidade do povo e pensar teologicamente esta realidade que vivemos: o laboratório é o mundo. Uma palavra profética não é a que advinha o futuro. O profeta não advinha o futuro com nenhuma bola de cristal, mas olha a realidade iluminada pela palavra de Deus e também lê a palavra de Deus tomando-lhe o pulso à realidade. Se a alguém chegam os sinais dos tempos sem a luz da palavra de Deus, cairíamos em um relativismo tremendo. Mas se se lê a palavra de Deus sem tomá-la o pulso à realidade, poderíamos cair em um fundamentalismo muito forte. AV - E actualmente, na Igreja, existe essa visão complementar da realidade e da Palavra? CA - Sim, isto se dá na Igreja universal, mais do que imaginamos e menos do que deveria. É certo que a Igreja necessita de renovação e ser cada vez ainda mais profética, mas essa visão se dá. A vantagem de meu posto é poder ver realidades tão distintas em pouco tempo. Em três anos, visitei freis em mais de cinquenta países e se vê que a realidade é sinfónica. Cada instrumento toca a mesma partitura, mas o conjunto oferece uma beleza que nenhum solista poderia oferecer, o policromático expressa uma beleza que um só não pode representar. E essa é a vantagem dos freis e das irmãs de cada país: vê-se que as realidades são complexas, possuem a complexidade da beleza, com a simplicidade do Evangelho. E o conjunto da Igreja está oferecendo a visão profética. Cada vez mais, a realidade arranca à Igreja palavras proféticas, como o grito de paz do Papa João Paulo II, às vezes lançado em uma solidão muito grande. Toda a teologia da guerra justa se nos está fazendo migalhas; e não é que Francisco de Victoria se equivocara, mas não imaginava o dramatismo das guerras do século XXI.


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