Entrevistas

África deve ser prioridade para a Europa

Jornal da Madeira
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D. Alfredo Caires, Bispo da diocese de Mananjary, em Madagáscar, fala da sua experiência de missão

JORNAL da MADEIRA — Comunga do apelo do Papa Bento XVI em relação a África? D. Alfredo Caires — Sem dúvida. O apelo é importante porque, neste momento, África está a ser deixada de lado mesmo pelas organizações internacionais. Dá-se o mínimo e responde-se com tão pouco talvez porque aquele continente não oferece o petróleo e as riquezas rápidas. África, por outro lado, revela-se um bocado rebelde, com guerras fratricidas. Neste cenário, é legítimo pergunta: quando é que se fala de África na imprensa internacional? Que espaço damos ao Congo que tem mais mortos do que o Iraque? Ou o Senegal e o Sudão? Não se fala, não há reportagens, os jornalistas têm medo de ir a África porque não há convenções a nível da protecção como acontece na Europa, é tudo uma aventura. Daí a necessidade de se apelar sempre para uma maior atenção e intervenção solidária a favor daquele continente. JM — Em concreto, o que faz a Igreja Católica no terreno, por exemplo, na sua diocese? AC — As nossas prioridades são no sentido de corresponder às necessidades da população, em vários campos, na saúde, no ensino, na formação. Para isso, contamos também com o trabalho de voluntários que partem da Europa por alguns períodos. E, neste aspecto, posso dizer que nunca houve tantos leigos nas ajudas de trabalho concreto na minha diocese. Os meus administradores, aliás, são um jovem casal (casaram-se em Junho do ano passado e deram os primeiros dois anos da sua nova vida às missões), técnicos de economia e de informática. Mas, temos muitos outros no campo da saúde. Isto só prova que não basta dar, acho que é também preciso ir a África, sem medo. JM — Qual é o seu grande projecto para Mananjary? AC — É a construção de um hospital. Neste momento temos um hospital com apenas 20 camas para 900 mil habitantes. O bloco operatório é deficitário, não há espaço para se fazer uma cesariana, por exemplo. Devia ser o Estado a resolver estas situações, mas também não pode; e a Igreja tem o imperativo da caridade, o dever de ser expressão do amor de Deus, no dizer do Papa. Por estas razões, vim agora à Europa encontrar-me com médicos e arquitectos , voluntários amigos, para que se possa construir uma nova unidade hospitalar. Outra tarefa urgente é o ensino. Dentro de dias vamos inaugrar uma grande obra para crianças da rua, carenciadas, cujas famílias não têm possibilidades. Balanço dos últimos 25 anos JM — Encontrando-se em Madagáscar desde 1982, primeiro como missionário dehoniano, e desde 2001 como Bispo, que balanço faz destes anos? AC — Podemos dar graças a Deus pelo muito que nos ajudou a realizar. É um trabalho imenso que só agora começamos a ter a verdadeira noção do que foi feito, sobretudo no que se refere ao número de comunidades cristãs. No distrito onde começamos, no ínicio, havia 13 comunidades e hoje são 140. Também nas missões em que os dehonianos assumiram responsabilidades regista-se o mesmo fenómeno. Além disso, o nosso trabalho não aconteceu apenas nas nossas missões, mas alargou-se ao nível de toda a diocese com a animação dos movimentos de leigos. E neste aspecto evoluiu-se bastante. Por exemplo, ha 25 anos tínhamos nos encontros a participação de 10 pessoas e hoje são mais de 200. Temos hoje capacidade para acolher milhares de pessoas, fruto da logística, da organização, não só material mas de recursos humanos bem preparados. O campo da formação de catequistas, por outro lado, foi um trabalho importante que os dehonianos fizeram em todos estes anos. O catequista em Madagáscar é uma pessoa muito importante, pois, está em contacto directo com a população e tem a sua forma própria de transmitir a vivência cristã. As comunidades aumentaram significativamente, são hoje mais de 700, e temos 35 padres para as celebrações dominicais. As pessoas pedem-nos mais assistência pastoral, mas os lugares são distantes. Ainda assim, são 12 os sacerdotes diocesanos de origem malgaxe e temos 40 seminaristas que em breve serão ordenados. Quanto às Congregações religiosas, temos mais de 60 Institutos, a maior parte de origem estrangeira, e com muitas vocações femininas. Integram-se bem, estão há 50 e 25 anos e até já enviam missionários para a Europa e a América latina. Em resumo, a Igreja evoluiu bem e isto é consolador como expressão de fé de toda a comunidade. JM — Entre as confissões religiosas, a Igreja Católica é reconhecida? AC — Entre as confissões religiosas a Igreja Católica tem maior peso porque sempre se apresentou como a Igreja dos pobres. Enquanto a protestante está mais ligada às classes favorecidas, desde o tempo da administração colonial, a Católica foi para todo o lado e esteve sempre presente, a trabalhar com toda a dedicação e sem fazer barulho. É este o segredo que as seitas ainda não descobriram em Madagásgar, ou seja, um trabalho silencioso e contínuo, ao lado dos mais desfavorecidos. Da parte das autoridades oficiais também somos bem acolhidos. Os governantes sentem que as Igrejas são factor fundamental no desenvolvimento integral do homem e, ao contrário do que se passa na sociedade europeia, os valores cristãos são assumidos de forma pública, por exemplo, não há receio ou polémica em mostrar os crucifixos nas escolas. Como expressão de fé, também fazem parte da cultura. A evan gelização através da rádio JM — Quais os desafios com que se defronta a mais a diocese de Mananjary, em termos de futuro? AC — A diocese ainda está na fase da chamada primeira evangelização. E o ponto importante para o qual o Papa nos chamou a atenção é o anúncio permanente da mensagem de Jesus Cristo, sem medos, mesmo que isso custe, e não entrar numa espécie de relativismo. O meu plano pastoral passa por aqui e pela formação das comunidades, quer ao nível dos leigos, catequistas e seminaristas. Neste momento, como já disse, temos o problema de não conseguir responder a todas as necessidades; ainda há muitos lugares que não viram um sacerdote ou uma religiosa; falta-nos capacidade de resposta porque, naquelas aldeias, não encontramos alguém que saiba ler e não é facil separar uma pessoa da sua família, por uns meses, para adquirir a necessária formação escolar, é como ir para um outro país. Daí que apostamos também evangelização pela rádio. Este projecto, felizmente, já está a funcionar, a rádio chama-se "Viver" e a sua frequência é 92.2 FM. Para tal tivémos a ajuda da Conferência Episcopal Italiana que nos ajudou na montagem e em parte do material de estúdio, e da Rádio Católica em Madagáscar, entre outros amigos e benfeitores. A rádio, neste caso, é um veículo muito importante como agente de evangelização e está a ter sucesso, mais do que se pensava. As pessoas ouvem com bastante interesse e fazem passar a mensagem. O objectivo é chegar cada vez mais longe, para encurtar a distância e estar com as pessoas. Ainda assim, existe um problema: não há electricidade nas aldeias, os aparelhos têm que ser a pilhas, e não há poder de compra. Distribuimos aparelhos a um preço baixo aos catequistas, mas nem toda a gente pode dispensar 4 mil francos malgaxes (5 euros) que é quanto custa um aparelho de rádio; ou até comprar uma Bíblia que custa mais ou menos 10 euros, na moeda europeia. Sempre que vou em visita pastoral às aldeias procuro incentivar para estes meios de evangelização, mas os desafios são grandes. A nossa esperança, no entanto, não esmorece perante as dificuldades; conhecemos bem o terreno e agradecemos a Deus a graça recebida para a missão. 25 anos de presença dehoniana A presença de missionários dehonianos ou Sacerdotes do Coração de Jesus em Madagáscar data de finais de 1974, através dos italianos. Os primeiros religiosos madeirenses a chegarem ao território, em Janeiro de 1982, são os padres José Bairos Braga, Alfredo Caires e Manuel Jardim. Chamados por Mons. Xavier Tabao, então bispo de Mananjary, iniciam em Dezembro de 1982 o seu trabalho missionário no distrito de Ifanadiana, a Sul de Madagáscar. Com a chegada sucessiva de novos missionários (italianos e portugueses) alarga-se o campo de trabalho. A norte, os italianos, em 1981, tomam conta do distrito de Andreba. A sul, os portugueses, em Fevereiro de 1985, responsabilizam-se pela missão no distrito de Antsenavolo; em Maio de 1987, estão no distrito de Voilava; e em Junho de 1990 vão para os distrito de Ambohimanga Sud. “Confio que este 25.º aniversário seja um desafio para outros missionários e voluntários, também madeirenses, pois, nunca são de mais”, espera D. Alfredo Caires para a sua diocese. Madagáscar A ilha de Madagáscar está situada ao largo da costa de Moçambique. Começou a ser colonizada por malaio-polinésios há dois mil anos, recebendo depois imigrantes árabes e africanos. Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao território, em 1500. Em 1896, tornou-se uma colónia francesa. E a independência data de 1960. A evangelização sistemática começou há 46 anos, através dos jesuítas. Em1968, Mananjary tornou-se diocese. Trata-se de uma diocese com uma população de 900 mil habitantes, muito jovem, com 75 por cento abaixo dos trinta anos: “uma grande esperança para a Igreja”, segundo o actual bispo D. Alfredo Caires de Nóbrega. “A saúde é grande problema, enquanto o ensino está a melhorar . A diocese tem muitas escolas, vários colégios e neste ano lectivo abriu o liceu, pensado e desejado há muito. Começamos também este ano uma escola de informática. Mas, outro problema, no distrito de Mananjary, é a falta de emprego. A maior ocupação verifica-se precisamente no ensino, mas outros trabalham na agricultura ou procuram outros distritos; em geral, não há um mercado de trabalho em Madagáscar. E também no campo agrícola há dificuldades no escoamento de produtos, por muitos métodos e meios que se providenciem, a teoria e a prática não se coadunam”, disse D. Alfredo ao Jornal da Madeira Os católicos em Manajary são pouco mais de 15 por cento, mas os simpatizantes ultrapassam os 50 por cento. “O cristianismo, como aprendemos e vivemos na Europa não corresponde sempre à mentalidade, aos valores, aos conceitos de vida dos malgaxes. Esfoçarmo-nos por entender a vida das populações locais, a sua fé, tradição e a mentalidade cultural ; só depois partimos para o testemunho, de modo que também possamos ser compreendidos por eles; ao mesmo tempo que vamos ao encontro das suas necessidades materiais, num trabalho contínuo e dedicado. Na diocese tenho um organismo com mais de 40 técnicos para o apoio ao desenvolvimento, seja na agricultura, no ensino ou nas catástrofes naturais”, sublinhou.


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