Entrevistas

Bispo de Leiria-Fátima à espera do seu sucessor

Jornal «O Mensageiro»
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Em entrevista ao semanário diocesano “O Mensageiro”, D. Serafim Ferreira e Silva fala dos 13 anos à frente da Diocese e do futuro de Fátima

No próximo dia 2 de Fevereiro, D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva completa 13 anos como Bispo residencial da Diocese de Leiria-Fátima. Numa altura em que prepara a sucessão e um novo ciclo no seu ministério, apresenta uma “avaliação” do seu serviço à Igreja diocesana. Recorda os sentimentos que o animavam quando foi nomeado para assumir este cargo? Nunca fui “carreirista”, nunca fiz cálculos. Quando pensei ser padre, pensava na paroquialidade. Depois de ordenado fui mandado especializar-me em Roma em direito canónico e ciências sociais. Depois, já de volta, retomei no Porto uma actividade pastoral muito activa e muito plural: professor, notário, assistente da acção católica; curso de catequese. Depois fui para Lisboa, em 1961; voltei ao Porto fui nomeado bispo auxiliar de Braga e depois de Lisboa. A dada altura estava muito cansado porque, acumulava as funções de bispo auxiliar para a zona do Oeste e secretário da Conferência Episcopal. Fui convidado a vir para a diocese como coadjutor no dia 13 de Maio de 1987. Quase não tive tempo de fazer programa, nem deveria fazê-lo, já que vinha como coadjutor. Entendo que o bispo não é dono de nada, é mais moderador e responsável por uma equipa, na sua pluralidade eclesial e laical. Tenho desde a minha formação um carinho muito especial pelo laicado. Dou muita importância aos dirigentes de apostolado organizado nas várias áreas. Quando vim para Leiria não tinha que ter um programa, vinha com o propósito de ser solidário e ser sincero. Quando em 93 assumi a responsabilidade da doire-se continuei um trabalho que vinha já de trás. Que balanço faz da sua acção na diocese ao longo destes 13 anos? Eu não sou contabilista. Avalio mais pelo modo de estar. Tenho procurado ser coerente; renuncio a ter férias; dei prioridade às infra-estruturas mais vitais (clero, a pastoral vocacional sem descuidar as organizações laicais). No tecido geral de uma organização devemos ter pólos fortes, que são como que motores. Eu empenhei-me em vários sectores por criar estes pólos de força, para que a Igreja não ficasse fechada na sacristia ou no adro, mas pudesse estender-se a toda a parte e a todos os sectores. Além disso, para lá da missão profética, pareceu-me importante apostar no testemunho como forma de nos apresentarmos na sociedade. Entendo que quando há sinceridade a verdade vem ao cimo mais depressa. Entre as acções que marcaram a vida da Igreja enquanto foi Bispo residencial, escolhemos três: o Sínodo Diocesano, a implementação do Regulamento da Administração dos Bens da Igreja (RABI) e a recente elaboração do Projecto Diocesano de Pastoral para os próximos seis anos. Que nos pode dizer sobre estes três temas? Houve muitas outras acções, não menos importantes, que de facto foram concretizadas. Mas falemos então dessas três. O Sínodo fui uma tentativa da pluralidade e da colegialidade. Uma tentativa da revisão de vida; uma tentativa de agitar o que poderia estar adormecido. Os frutos não se colocam de imediato em cima da mesa, mas vão aparecendo paulatinamente. Ficou, acima de tudo um espírito concreto: a sinodalidade, a partilha e a co-responsabilidade. Isso veio ao cimo e foi bem captado pela Diocese. O RABI foi uma preocupação de clarificar a parte administrativa da Igreja diocesana e paroquial. O sistema anterior não parecia muito claro. Assim, quisemos apostar na clareza de contas. Nisso, antecipámo-nos à nova Concordata, no que se refere aos aspectos administrativos. Ainda está a dar os seus frutos, pois é necessária uma mudança de mentalidade que requer alguma tolerância pedagógica. O Projecto Pastoral é fruto do Sínodo, corresponde a uma certa ansiedade; mas sobretudo diz respeito a um tempo moderno de não improvisar. Nos nossos dias mais que nunca requer-se a planificação. Ver à distancia no tempo e na geografia. A Diocese é uma célula viva de um conjunto e por isso precisa de planificação. Estamos todos no mesmo barco e precisamos remar de forma coordenada. Temos um projecto para seis anos com temática própria para cada ano. Serve para ajudar a caminhar no mesmo sentido. Na sua opinião que outras acções merecem destaque? O inventário de todo o património móvel e imóvel. Feito no silêncio, com muito trabalho e dedicação, está praticamente terminado. Houve uma renovação na arte sacra; um maior apreço e respeito pelo que já havia e depois melhoraram-se muitas igrejas e outras foram ainda construídas de raiz. Novos espaços de culto que têm notoriedade e qualidade. Saliento ainda que a beleza desses espaços não é mais fruto da arte do arquitecto mas em muitos casos é o resultado do sentir da comunidade. As comunidades são mais exigentes até nos espaços de culto. O projecto neste campo ainda não está terminado. Há ainda aspectos que podem ser desenvolvidos. Não podemos ainda esquecer a criação dos Conselhos Pastorais e Económicos, são escolas de formação permanente. Falemos um pouco dos principais agentes da acção pastoral e comecemos pelos seus auxiliares mais directos, os sacerdotes. Qual a avaliação que faz relativamente ao clero da diocese? E como vê a pastoral vocacional que temos? O clero de Leiria vai envelhecendo, embora haja unidades novas. No geral, o clero da Diocese é muito bom, mas faz falta uma coisa: não é uma frustração minha, mas é um desgosto, que a Diocese não tenha o diaconado permanente. Na história da Igreja o serviço ministerial é composto por 3 graus no sacramento da ordem: o episcopado, presbiterado e diaconado. Uma diocese que não tenha membros do primeiro grau está mais pobre, falta-lhe qualquer coisa. Além disso os outros dois graus vão diminuindo por várias razões. Um diácono permanente bem formado, pode desempenhar muitas funções que de alguma for-ma preenchem demasiado o padre. Eu gostaria que o presbítero tivesse algo de específico, na direcção espiritual, no magistério, na celebração eucarística e na absolvição. Mas a administração de lares, cresces e até da catequese, e acção social, julgo que podem ser desempenhados por um diácono. Compreendo as razões para que não haja diáconos permanentes. Foi dada luz verde e houve até candidatos; mas a mentalidade do clero paroquial não estava sensibilizada para esta inovação. Houve desta forma alguns entraves, que compreendo perfeitamente, e que me levaram a mim mesmo a parar um pouco o processo. Não abandonei a questão, mas tive que encher-me de paciência para parar um pouco. No sector das vocações houve muitas mudanças no nosso seminário. O futuro não é claro há sinais que chamam a atenção: a natalidade baixou muito, o acesso escolar é mais fácil, o laicismo, a busca do bem estar material subiu. A vocação sacerdotal está afectada. Deus continua a chamar mas há muitos ruídos que não deixam ouvir. Já passou aquele “tsunami”, anti cristão, mas hoje há uma outra onda que não é tão devastadora, mas não deixa de ser perigosa no aspecto religioso, é o sincretismo religioso. Alguma indiferença, uma era nova… Gostaria que este fenómeno fosse mais analisado, porque está na base da chamada crise vocacional. Não apenas na Europa, mas por todo o lado. Chegamos a uma espécie de religiosidade romântica ou lírica que é fruto deste sincretismo religioso. A pastoral vocacional não está parada mas está um tanto a patinar, difusa… Se o prior da aldeia dá um ar de abatido e cansado, não está a contribuir para a pastoral vocacional. Sei que há problemas novos em vários sectores da vida, um deles é o da fé. Continuamos a caminhar, mas temos que assumir que há dificuldades. Todos os serviços são pequenos contributos válidos. Na minha relação com os padres eu procurei ser sincero, procurei ser igual a mim mesmo. Detesto a mentira e a hipocrisia, por isso procurei ser amigo, sinceramente amigo. Procurei nunca faltar no momento certo; por vezes foi necessário apelar ao bom senso e nunca meti a cabeça debaixo da terra, estive o mais que pude presente. Voltando-nos para a comunidade no seu conjunto, como define e avalia a comunidade cristã aqui implantada? Conheço outras dioceses, viajo e dou-me conta das diferenças. Sou levado a dizer que a região centro, no caso a diocese de Leiria-Fátima, é muito aberta aos valores espirituais e humanos. Sob o aspecto económico há um bom nível de vida, embora haja casos de alguma pobreza ou maior precariedade. O Povo de Deus tem boas qualidades e bons sentimentos. Qualidades especiais próprias destas gentes são o sentido musical, o sentido artístico (poesia). É provável que esta seja a diocese que tem mais e melhores grupos corais, com qualidade. E são de referir as muitas bandas de música, os clubes ou associações recreativas… tudo isso expressa a maneira de ser desta gente. Não há muito anti-clericalismo, há respeito. Formas esotéricas ou mágicas de viver o sentimento religioso depressa se diluem. O espírito cristão, muito ligado à luz de Fátima, é sempre mais forte. As pessoas sentem-se honradas e devotas em relação a Fátima. O actual Projecto diocesano deixa transparecer uma preocupação da Igreja por chegar ao mundo mais afastado. A sociedade que não parece querer ser da Igreja é por esta procurada e desejada. O senhor bispo é responsável até por uma forte presença da Igreja em sectores menos comuns. Isso é uma preocupação ou é uma maneira de ser? O que se poderá fazer neste campo? Nós pertencemos a muitos mundos. Todos nós lidamos com atmosferas diferentes ao longo do dia. A sociedade está composta por pequenos mundos. A Igreja tem de abrir janelas, abrir portas e fazer pontes. A Igreja tem de procurar desintoxicar os ambientes menos claros. E só no relacionamento sincero poderá desempenhar esse papel. Tem de haver sempre lealdade, sinceridade e busca da verdade. Tudo o que seja interesse económico ou hipocrisia ou exploração tudo isso é veneno a afastar. A visão da globalidade do ser humano exige que a Igreja passe por todos os mundos ou sectores da sociedade. È uma exigência, mais que uma qualidade. Não me compete condenar nada nem ninguém mas é-me pedido que esteja ali para tentar levar a salvação que foi oferecida por Deus. Falámos de Fátima e por vezes parece que Fátima ocupa muito a vida do bispo da diocese. Que relação entre Fátima e a diocese no futuro? O Santuário de Fátima deve continuar integrado na diocese de Leiria-Fátima. Mas o santuário tem uma dimensão supra-diocesana, por isso deve haver uma estreita cooperação com a CEP; para manter o organismo de Fátima é preciso que haja uma boa equipa de capelães, estes podem ser de diferentes dioceses. Inclusivamente o reitor pode ser de uma diocese diferente, contanto que seja o bispo diocesano a mandatar. O actual organigrama do Santuário é de manter e desenvolver, e o bispo diocesano tem de acompanhar, mas fazer confiança para não abandonar o resto da diocese. Eu julgo que consegui um certo equilíbrio nesta relação. Estive presente em Fátima e os sacerdotes párocos ajudaram nesse aspecto, daqui o meu muito obrigado aos párocos que souberam libertar o bispo para que este pudesse estar em Fátima. Há algum projecto que gostaria de ter realizado na diocese e tenha ficado por realizar? O diaconado Permanente é o projecto que não consegui realizar. O bispo que vier substituir-me deverá trabalhar este campo. A semente está lançada… Depois de deixar a diocese, o que tenciona fazer? Está já marcada a data para a sucessão? Pode dizer alguma coisa sobre o sucessor? Ainda não há nada oficial. Eu pedi a resignação. Em Outubro foi-me comunicado que fora aceite. Espero que no início de Fevereiro haja já um sucessor, embora possa ainda não ter tomado posse. Por mim, espero ter mais tempo livre, dedicar-me a estar com os amigos, dar mais tempo aos familiares. Ficarei a residir em Fátima e espero ler, e escrever. Houve uma ideia de fazer um tempo de missão, concretamente no Sumbe onde estamos a trabalhar para uma geminação. Mas é provável que este desejo não vá avante para já. De qualquer modo sublinho que a intenção que estava subjacente a este sonho era a de ser coerente comigo mesmo e com o que apregoamos. Nessa linha se insere o meu esforço a quando da peregrinação diocesana a Fátima, não chega incentivar a que se faça peregrinação e se caminhe a pé. Se posso ir, devo ir também a pé. O mesmo se diga em relação à renúncia quaresmal etc… Ser coerente e sincero. Tenho em projecto fazer algumas biografias sobre personagens da nossa história que merecem ser destacada. Penso ter agora tempo para isso, pelo menos quero encontrar tempo para isso. Integrando estas biografias num contexto de solidariedade para com as pessoas que deram muito de si e merecem um reconhecimento. A biografia tem hoje muita força e é uma forma de falar da vida da Igreja. Quais lhe parecem ser os maiores desafios na diocese para o seu sucessor? É importante que ele seja mais novo, mais santo e que tenha menos problemas. Eu penso que resolvi alguns problemas (por exemplo em relação a Fátima muitas coisas foram clarificadas), espero que não seja necessário voltar a eles. No dia 3 de Fevereiro vai ser tornada pública a aprovação do chamado Apostolado Mundial de Fátima (exército Azul), um movimento com milhões de associados ou aderentes, mas para chegar a este ponto houve uma longa caminhada que felizmente o meu sucessor não terá necessidade de passar. Por isso o meu sucessor terá como grande desafio uma atenção maior na concretização do Projecto Diocesano. Não esqueço a pastoral familiar que é um desafio grande para a Igreja portuguesa, e por isso diocesana, nos próximos anos. Neste, como em todos os campos da acção pastoral, importa sacudir muita poeira e apostar na verdade e na sinceridade. Entrevista de: Rui Ribeiro e Joaquim Santos


Diocese de Leiria-Fátima