Uma peregrinação para agradecer o dom da liberdade religiosa
Em entrevista recente à Sala de Imprensa do Santuário de Fátima, após a celebração dos 90 anos da Primeira Aparição de Nossa Senhora (a 13 de Maio), D. Tadeusz Kondrusiewicz, Arcebispo de Moscovo, faz a leitura da Igreja Católica da Rússia a respeito dos acontecimentos e da mensagem de Fátima.
Entre os muitos factos históricos apresentados, que ligam a terra e a mensagem de Fátima ao povo russo, o Arcebispo de Moscovo recorda alguns momentos mais pessoais, onde revela as próprias vivências e a sua devoção a Nossa Senhora de Fátima.
Em Outubro deste ano, uma delegação da Rússia estará em Fátima para participar na Peregrinação Internacional Aniversária, 90 anos após a última aparição da Virgem que em Fátima veio pedir a conversão e a paz.
Por que motivo a Igreja Católica da Rússia entendeu celebrar os 90 anos das Aparições de Fátima?
Nós, na Rússia, sentimos a ligação especial com a mensagem de Fátima. De facto, as palavras que Nossa Senhora pronunciou no dia 13 de Julho de 1917 fazem repensar o papel extraordinário, direi, misterioso, do nosso país:
“– Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores; para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar. Mas, se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio Xl começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre.
Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia a Meu Imaculado Coração e a Comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a Meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim, o Meu Imaculado Coração Triunfará”. (Das “Memórias da Irmã Lúcia”)
Portanto, seria um grande pecado se nós esquecêssemos a mensagem de Fátima, “a mais profética das aparições modernas”, segundo o Cardeal Tarcisio Bertone, antigo Secretário da Congregação e actualmente Secretário de Estado (do Vaticano).
A Rússia, primeiramente denominada como proveniência de um dos castigos (os “erros da Rússia”), vem depois celebrada como país pelo qual a “conversão” abre a era do triunfo do Coração Imaculado de Maria. Com vê esta centralidade da Rússia nos desígnios da Divina Providência?
Eis uma belíssima pergunta diante da qual me inclino reverentemente. Uma coisa porém é certa: no contexto das nações hodiernas, a Rússia é de modo particular sob a protecção directa da Mãe de Deus, o que permite nutrir a esperança.
O tema escolhido para os católicos da Rússia para o ano 2007 é: “Ano do amor misericordioso”. Sabe que é muito semelhante àquele que o Santuário escolheu para as comemorações dos 90 anos: “Deus é Amor Misericordioso”?
Sim, escolhemos este tema para glorificar o amor Divino e a paterna Providência de Deus, a qual nos foi revelada nas Aparições de Nossa Senhora de Fátima. Nossa Senhora, Ela mesma, explicou o alcance das aparições de Fátima: (as aparições) vêm do Céu.
Nossa Senhora não apareceu sem motivo. Ela foi enviada à humanidade porque Deus assim o decidiu. Trata-se, portanto, de uma intervenção do Amor Divino na história da salvação.
Foi o Amor Divino que salvaguardou a humanidade no século passado – os acontecimentos que pareciam “o triunfo” do ódio e da morte transformaram-se num presságio da vitória e do triunfo de Deus através do Coração Imaculado de Maria.
Como estão a ser aí, na Rússia, as celebrações? Como decorreu o congresso sobre a mensagem de Fátima?
De facto, nos dias 12 e 13 de Maio em Moscovo teve lugar o Congresso dedicado ao 90º Aniversário das Aparições da Virgem Santíssima em Fátima.
Participaram aproximadamente 200 católicos das paróquias russas, sacerdotes, religiosos e religiosas. Recebemos também representantes do Apostolado Mundial de Fátima, da associação “Luci sull’Est” e Mons. Raymond Zambelly, Reitor do Santuário de Lourdes.
O tema principal foi: “Convertei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1.15)
Escutámos não apenas as intervenções teológicas, mas também o tocante testemunho pessoal dos católicos russos e testemunhos da peregrinação da estátua de Nossa Senhora de Fátima à Rússia e ao Casaquistão, em 1996.
Preparámos ainda, graças ao apoio dos nossos amigos da associação “Luci sull’Est”, um livro com a tradução das palavras de Nossa Senhora e do Anjo de Portugal e a descrição do alcance da Mensagem de Fátima. Os fiéis apreciaram verdadeiramente a iniciativa: durante o primeiro dia do congresso distribuímos mais de 500 cópias do livro.
Tenho também conhecimento que está a ser preparada uma peregrinação ao Santuário de Fátima (em Portugal) no próximo mês de Outubro, no encerramento das celebrações dos 90 anos das Aparições. Quem serão os peregrinos e com que sentimento está a ser preparada a peregrinação?
Sim, estamos a preparar a peregrinação a Fátima e a Santiago de Compostela.
Apesar de todos os obstáculos, esperamos conseguir ir a Fátima rezar no Santuário em nome de todos os católicos russos. O grupo será, por assim dizer, misto: idosos, que sobreviveram aos anos da ditadura comunista, jovens, que representam o futura da nossa Igreja local...
Traz-vos a Fátima alguma intenção especial?
A intenção particular é agradecer à nossa Mãe, a Virgem Santíssima, pelo dom da liberdade religiosa. Temos também a intenção de rezar-Lhe pelo dom da conversão autêntica e pelo renascimento da sociedade russa. Queremos agradecer à Virgem Maria pela esperança da conversão que nos foi dada durante a época das perseguições e pela graça do renascimento religioso. Esperamos ainda neste ano jubilar promover a veneração da Mãe do Céu no nosso país e que nos ajude a promover o diálogo com a Igreja Ortodoxa Russa – aquilo que a Irmã Lúcia me pedia durante o nosso encontro em Coimbra no ano de 1991.
Finalmente, devemos ter em conta a actualidade do apelo de Maria à conversão e à penitência, que nesta nossa época secularizada está mais que actual.
Recordo que, em 1996, após a peregrinação da imagem de Nossa Senhora de Fátima na Rússia, a Irmã Lúcia disse aos nossos bispos que a palavra “a Rússia” nos nossos dias significa não só um país, mas antes de nada o mundo, porque toda a humanidade necessita de conversão.
Enquanto responsável pela Igreja Católica na Rússia, sente de forma especial a devoção dos russos católicos a Nossa Senhora, ou mais especificamente a Nossa Senhora de Fátima?
Pode chamar-se justamente à Rússia “a terra de Nossa Senhora”.
A maior parte da Igreja Russa – seja católica, seja ortodoxa (conheço também uma comunidade luterana que tem o nome de Maria Santíssima) – é consagrada no nome da Virgem Maria.
A devoção mariana é muito difundida pelos cristãos russos. Todos A vêm como Mãe. Em cada casa ortodoxa, no chamado “angolo rosso” (canto vermelho) há sempre uma imagem, um ícone da Mãe de Deus. Essas imagens podem encontrar-se também nas casas dos católicos.
Nunca esquecei um episódio da minha própria infância: lia um livro dedicado à Virgem na casa do nosso pároco. Inesperadamente, entrou um sacerdote que era hóspede do pároco. O sacerdote, depois de ver o livro nas minhas mãos, disse-me: “Nunca pares de rezar à Mãe do Céu e Ela sempre te ajudará e protegerá”. Estou certo que cada um dos nossos fiéis pode confirmar este pensamento. De verdade, a nossa gente reza sempre à Virgem com confiança na Sua poderosa intercessão.
Apesar de todas as perseguições à fé e à Igreja, os nossos fiéis procuravam encontrar, o mais possível, informação sobre as Aparições de Nossa Senhora em Fátima, acreditando que um dia a Sua profecia e a esperança, que dali (de Fátima) nos tinha sido dada, seria realidade.
Era a esperança que não desilude: somos testemunhas do penoso mas feliz processo de renascimento da fé.
Não é por acaso que os católicos russos, depois da reconstrução das estruturas da Igreja Católica na Rússia, organizaram, no ano de 1991, a primeira peregrinação a Czestochova (Polónia), para participar na celebração da Jornada Mundial da Juventude, e a Fátima.
(Em Fátima) A nossa pequena delegação estava incrivelmente feliz: visitámos os lugares santos de Fátima com lágrimas, conhecendo que aí tinha começado a história que toca também a Rússia.
Em Fátima encontrámos os fiéis que há décadas rezavam pela conversão da Rússia. Em Fátima, encontrámos uma senhora de 80 anos que me disse que, todos os anos, nos dias 13 de Maio e Outubro, caminhava a pé 40 quilómetros para chegar a Fátima com a intenção particular da conversão da Rússia.
Tive também a possibilidade de me encontrar pela primeira vez com a Irmã Lúcia. Ela verdadeiramente não podia acreditar que tinha chegado o arcebispo de Moscovo. Recordo as suas palavras: que o presidente da URSS, o Sr. Mikhail Gorbachev é o instrumento nas mãos de Deus e que o mistério de Fátima estava por realizar.
Como foi essa peregrinação da Imagem de Nossa Senhora pela Rússia?
A peregrinação da estátua de Nossa Senhora de Fátima pelo vasto território da Rússia e do Casaquistão, no ano de 1996, tornou-se “o exercício espiritual nacional”. As nossas igrejas estavam cheias de gente, vinham rezar diante da peregrinante Mãe de Deus não só os católicos mas também os ortodoxos.
Só Deus sabe quantas pessoas se confessaram, comungaram, quantas conversões foram fruto da peregrinação. Deus seja sempre louvado pelo que fez através de Nossa Senhora de Fátima.