Entrevista a Rui Ferreira Amaral, Director do Centro de Acolhimento Temporário São João de Deus
1. Como e porque é que nasceu este projecto de acolhimento de imigrantes e sem-abrigos?
Este centro surge de uma necessidade verificada pelo ACIME e exposta em Março último, ao provincial dos Irmãos de São João de Deus pelo Alto-Comissário Adjunto, o Dr. Rui Marques. O Ir. José Paulo ficou agradado com a ideia e iniciaram-se os contactos e construção do projecto em que assentam os protocolos que foram assinados no dia 19 de Maio último. Para os irmãos de São João de Deus o acolhimento a sem-abrigo era uma ambição antiga porque se enquadra no seu âmbito assistencial, e o próprio Instituto São João de Deus prevê como área de actuação a assistência a Sem-Abrigo. Em Espanha e Itália, por exemplo, os irmãos têm já estruturas deste género para sem-abrigo, sem no entanto especificar a realidade dos imigrantes. Em Portugal todo este novo desenho da imigração põe a nu situações de emergência humanitária que exigem uma resposta deste género.
2. Porquê em Sintra?
O concelho de Sintra foi escolhido porque os Irmãos possuem aí uma Casa de Retiros e formação que estava subaproveitada, e o Irmão José Paulo propôs para receber esta estrutura. Depois de visitada pelo Dr. Rui Marques, verificou-se que tem as condições ideais.
3. Estão previstos outros centros no país?
O ACIME perante este projecto poderá talvez querer abrir mais Centros. Os Irmãos a médio prazo não vão abrir mais estruturas deste género. Primeiro experimentamos e avaliamos nesta estrutura. Depois logo se vê. Até porque poderá daqui a 2 anos, que é a duração do projecto, não existir esta necessidade concreta mas existirem outras.
4. Existem centros semelhantes no estrangeiro?
As respostas assistenciais dos Irmãos recaem sempre nas necessidades que se verificam nos países em que se encontram. Em Espanha e Itália os irmãos têm, de facto albergues para sem-abrigo, inclusive com construção de projecto de vida à semelhança do nosso, mas não especificamente com imigrantes. Desconhecemos o que se faz noutros países ao nível do apoio ao Imigrante, mas julgamos que uma estrutura deste tipo é inovadora até no contexto europeu.
5. Quais as características inovadoras deste Centro?
É o facto de toda a estrutura e construção dos objectivos do centro assentarem numa rede de parcerias, e o facto de no tempo em que estão a ser apoiados no centro, os imigrantes e os sem-abrigo têm de envidar todos os esforços para o desenho e construção de um projecto de vida: procura de emprego, procura de um local para morar etc.
6. Quem são os profissionais que vão prestar serviço no CATSJD?
Estarei eu como director do centro, um assistente social, uma psicóloga que gere o clube de emprego, uma administrativa, uma responsável da cozinha e serviço de limpeza e um responsável da manutenção.
7. Qual a importância do voluntariado neste projecto?
Todos os gabinetes de apoio que compõem o centro, baseiam-se em estrutura de voluntariado, sendo assim muito relevante. O gabinete de apoio psico-social, o gabinete médico e o gabinete de apoio jurídico são todos eles compostos por voluntários e a sua implementação é da responsabilidade do ACIME, do Serviço Jesuíta aos refugiados, da Caritas e da Obra Católica das Migrações. Contudo, esperamos que a população local, e não só, se aperceba da importância deste projecto e participe no seu crescimento.
8. Esperam a colaboração de terceiros no dia a dia do centro?
Todo o projecto assenta nessa participação voluntária, e é essa a sua essência. Neste contexto eles deixam de ser considerado “terceiros”.
9. Como é que processa a entrada dos utentes no centro?
A detecção dos casos, verificação das condições reunidas para o acolhimento e encaminhamento são feitos pelas instituições que estão no terreno, em concreto, a Caritas, Serviço Jesuíta para os Refugiados, Obra Católica das Migrações ou outra.
Depois o processo é avaliado pelos técnicos do Centro e é dado o parecer assinado pelo director.
Deverão ter um Projecto de Vida de partida delineado entre o utente e a entidade parceira proponente (Por Projecto de Vida entende-se o elenco de todas as hipóteses de reabilitação de cariz socioprofissional e familiar, assim como as actividades ocupacionais enunciadas e aceites pelo utente, para o tempo de permanência no CATSJD ou por período superior, e que visa criar condições para a autonomia do indivíduo), e com as seguintes condições:
1. No CATSJD só poderão ser admitidas pessoas, indivíduos ou casais com ou sem filhos menores, em situação de manifesta e comprovada vulnerabilidade social:
a) sem alojamento e sustento e sem quaisquer meios para prover ao seu alojamento e sustento de forma autónoma;
b) não dispondo de rede familiar e/ou social de suporte que possa suprir, ainda que de forma provisória, as dificuldades mencionadas em a);
c) impedidas de obter resposta para a sua situação através dos normais mecanismos previstos pelos serviços de Segurança e Protecção Social e/ou das instituições da Rede Solidária já disponíveis.
Depois são envidados todos os esforços para a obtenção de um emprego, um local de residência e providenciada a saída. A rede de parceiros permite a celeridade de todo o processo.
10. Que objectivos e impacto na sociedade esperam alcançar?
Essencialmente evitar situações graves de falta de satisfação de necessidades básicas, e criar condições para uma plena reintegração dos utentes que passam por nós. Basicamente é continuar o lema de São João de Deus que era “Fazei o bem, irmãos”
11. Já têm algum feedback por parte dos imigrantes e sem-abrigo?
Já existem algumas situações que estão a ser avaliadas para que seja dada uma resposta da forma mais imediata possível.
12. Os utentes do centro são apenas de Lisboa e Sintra?
A proveniência dos utentes não é exclusivamente de Lisboa e Sintra. Poderá receber pessoas de outros sítios do país. A lotação é de 50 camas, sendo 10 reservadas para a Câmara de Sintra.