Entrevistas

Comunicar pelo bem comum

Agência Ecclesia
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Cardeal Saraiva Martins recorda a prioridade da comunicação, num Pontificado que continua a fazer História

Agência Ecclesia - A estratégia de presença da Igreja na comunicação social é semelhante entre os países da Europa? D. Saraiva Martins - A Igreja faz grande uso dos meios de comunicação social na evangelização do mundo. Serve-se deles para conhecer e dar-se a conhecer. Considera-os já indispensáveis na sua acção pastoral. Uma prova da importância que a Igreja dá à comunicação é o Decreto Inter Mirifica do Concílio Vaticano II, promulgado em 1963 sobre o tema. Ainda há poucos dias, no Domingo 13 de Março, o Santo Padre, do seu quarto do Hospital Gemelli, quis sublinhar que na era da comunicação global os operadores do sector devem dar uma informação precisa, respeitadora da dignidade da pessoa humana e atenta ao bem comum. Portanto, as diferentes estratégias leigas e religiosas da comunicação têm o dever moral de servir a verdade objectiva e cooperar para o bem da sociedade em que operam. É claro que a estratégia da Igreja é diferente da dos outros Países europeus, porque as finalidades da Igreja não são exactamente as mesmas das chamadas “leigasâ€. A Igreja tem finalidades transcendentes e o seu interesse prioritário é a salvação eterna da pessoa humana. AE - Há assuntos eclesiais que são do foro interior e, por isso, não podem e não devem ser tornados públicos? DSM - A Igreja sabe que o bem comum não pode prescindir do bem dos indivíduos. O primado moral e jurídico da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, prevalece em todo o sector da vida social. O direito-dever de informar não pode violar os direitos do indivíduo. A Declaração Universal dos Direitos do Homem defende o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à reputação. No mesmo comprimento de onda movem-se as legislações de muitos Estados. Todavia, é muito grande hoje o risco de intrometer-se na esfera privada dos cidadãos. A Igreja desde sempre tem um sagrado respeito pelo indivíduo e seu mundo pessoal. O “foro interno†relacionado com o segredo confes-sional e com o segredo profissional dos sacerdotes é defendido com muito rigor pelo Código de Direito Canó-nico, que é muito severo com quem não o respeitar. AE - Como conciliar transparência total com o direito de reserva institucional? DSM - A questão é delicada, porque, em certos casos, pode surgir um conflito ético-jurídico entre o dever da transparência “total†e o direito ao segredo institucio-nal. Em todo o caso, há que ter sempre presentes o bem comum da sociedade e o bem individual das pessoas. É lícito que os responsáveis dos povos ponham o “segredo de Estado†em assuntos de especial gravidade, quando o seu conhecimento pudesse danificar a segurança do povo. AE - A Comunicação Social incomoda o dia-a-dia da Igreja Católica, nomeadamente com uma presença maciça como acontece por estes dias? DSM - A comunicação Social não perturba a Igreja, a não ser quando viola a ética e a moral. Tenha-se presente que a Igreja é uma das instituições mundiais que mais se empenham na comunicação. Até foi fundada por Jesus Cristo para comunicar, ou seja, para ouvir o homem e transmitir-lhe o Evangelho. A Igreja, portanto, estima, defende e utiliza a comunicação. A Santa Sé é já desde 1861 que tem um seu jornal, L’Osservatore Romano. Entre os Organismos da Cúria Romana existe, há muitos anos, o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais. Em 1983, João Paulo II instituía o Centro Televisivo Vaticano. AE - Que testemunho transparece dos dias de doença do Papa? DSM - De há anos a esta parte, o Santo Padre escreve com a sua enfermidade uma das páginas mais significativas do seu Pontificado. É admirável a sua vontade de continuar a servir a Igreja e o mundo em condições de grande sofrimento. A doença não veio minimamente quebrar o seu espírito de sacrifício e doação. O testemunho do Papa ensina que cada fase da vida humana é preciosa e que a própria enfermidade se pode transformar numa experiência de fecundidade espiritual. AE - Renunciar ou não renunciar ao Pontificado: é uma questão a decidir a partir de pressupostos humanos ou também espirituais? DSM - A questão da renúncia ao Pontificado não se põe para João Paulo II que, apesar de doente, consegue acompanhar a vida da Igreja, tomar conhecimento dos diversos problemas e decidir em mérito. Em todo o caso, os Papas podem renunciar ao seu cargo de pastores da Igreja universal. A eventualidade, aliás verificada muito raramente na história, é prevista no cânone 332 do Código de Direito Ca-nónico. Para ser válida a renúncia, exige-se que seja feita livremente e que seja devidamente manifestada. As razões que podem levar um Papa a renunciar ao cargo podem variar conforme os casos. O Papa, além disso, é absolutamente soberano nas suas decisões. Responde apenas perante Deus e a sua consciência. Nenhuma autoridade e nenhum organismo eclesial têm o poder de decidir ou recusar as demissões de um Papa. AE - A conclusão de muitos processos de canonização é uma marca do Pontificado de João Paulo II? DSM - Não há dúvida. Nenhum Papa beatificou tantos Servos de Deus e canonizou tantos Beatos como este. O número global é de 1.827 (482 Santos e 1.345 Beatos). São representativos dos diversos carismas e das diversas categorias do povo de Deus. Muitos são mártires do século XX. Através da santidade vivida em grau heróico por tantos cristãos, o Santo Padre apresenta ao mundo a santidade da Igreja e indica aos baptizados o caminho sublime da perfeição evangélica. AE - O processo de canonização da Irmã Lúcia, recentemente falecida, já se iniciou? DSM - A actual legislação da Igreja estabelece que uma causa de beatificação só pode começar depois de cinco anos da morte do candidato. Além disso, exige algumas condições prévias relativas à fama de santidade e aos milagres do futuro Servo de Deus. Não se deve, por outro lado, esquecer que a santidade é pessoal. Não existe santidade de família, de grupo ou de associação. Cada um tem a própria santidade, que é verificada também de forma individual. O facto de a Jacinta e o Francisco terem sido beatificados não quer dizer que também a Lúcia “tenha†de ser elevada à mesma honra, que é reservada a quem praticou as virtudes cristãs em grau heróico e se demonstre válido intercessor junto de Deus operando milagres.


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